A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

setembro 25, 2013

Mais algumas lembranças de minha infância e de minha vida… parte 10

“Pegue a viola, e a sanfona que eu tocava
Deixe um bule de café em cima do fogão
Fogão de lenha, e uma rede na varanda
Arrume tudo mãe querida, que seu filho vai voltar”

A Simone Schimdt, amiga que ainda não conheço pessoalmente e leitora do blog, postou um comentário em um desses meus devaneios de infância pedindo para que escrevesse algo sobre a comida feita no fogão a lenha.

Minha mãe fazia todas as nossas comidas no fogão a lenha. Tínhamos fogão a gás, mas este era pouco usado. O ritual diário era o seguinte. Meu pai acordava cedo, lá pelas 5 da manhã, para ir trabalhar na PREMA, uma firma de Rio Claro/SP que fabricava tintas e fazia a preservação de madeiras de eucalipto em auto clave. Tendo geada ou não, com o orvalho ainda cobrindo as plantas, ele ia direto para a cozinha acender o fogo. A lenha, para não pegar umidade, era guardada em uma caixa atrás ou ao lado do fogão. Quando tinha muita lenha e o tempo era de chuva, uma boa quantidade dela ficava empilhada em um canto do rancho aberto que tínhamos logo após a cozinha. Não havia risco de incêndio. Quando a cozinha estava aquecida já era hora de eu e minhas irmãs acordarmos. Normalmente deixávamos sapatos e meias perto do fogão para aquecê-los. A essa altura, minha mãe já havia preparado nosso café no fogão. Algumas vezes sobre a chapa estavam pedaços do queijo que havia vindo do sítio de minha avó. Exalava um cheiro delicioso. Sempre tínhamos o chá mate, o café, o leite quentinho… Aquecidos por dentro e por fora, saímos para enfrentar o vento gelado da manhã em direção à escola.

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Depois que saíamos minha mãe iniciava o preparo do almoço. As panelas com arroz, feijão, carne, batata e outras iguarias cobriam a chapa do fogão. Meu pai, por precaução, comprou um pedaço de chapa de inox, dobrou as pontas e estava ficava sobre a chapa do fogão, deixando as panelas um pouco acima da chapa. A comida pronta ficava quentinha o dia todo e sem queimar, pois, depois do almoço a chama diminuía, mas nunca era apagada. 

Do forno do fogão, sempre saíam pães, bolos, tortas e pizzas caseiras. No inverno, nas noites geladas, a gente ficava na cozinha ouvindo o rádio. Com o fogão “ligado”, esse era o lugar que sempre estava quentinho. Nos reuníamos em torno do fogão conversando, comendo, meu pai as vezes tocava a sanfona ou o violão. Nas casas de minha infância, a cozinha era sempre separada da sala, pois naquela época havia uma só sala para todas as casas. Não existiam as salas de visita, de televisão, de jogos. Apenas uma sala para tudo.

E todos os dias o ritual se repetia. Mesmo no verão. O fogão nunca era “desligado”. Acostumada com o ritmo lento e com a comida mais saboroso feita no fogão a lenha, minha mãe usava pouquíssimo a chama do fogão a gás. E quando usava, era comum ela reclamar que a comida havia queimado. Como disse acima, o fogão a gás dividia a cozinha com o fogão a lenha, mas nunca ganhou muito destaque. Servia para fazer um café mais rápido ou para guardar as formas de bolo e pães em seu forno.

Hoje, existe toda uma discussão em torno dos prejuízos para saúde e ao meio ambiente advindo do fogão a lenha. Os fabricantes buscam alternativas sustentáveis, como a lenha ecológica fabricada com resíduos de eucalipto, casca de arroz, bagaço de cana-de-açúcar, cascas de coco… A vantagem, além de ser ecologicamente correta, estaria no potencial energético, quase duas vezes maior do que o da lenha comum. O fato é que o fogão a lenha vai permanecer por muito tempo sendo o centro de atenção das cozinhas. Pelo menos em minha família. Minhas tias ainda têm e usam. E, no interior, há muita madeira que serve de lenha para o fogão jogada em terrenos baldios, cata entulhos, etc.

Ah, e os doces que minha mãe fazia! Doce de abóbora me lembra infância, quando minha mãe colocava o doce como recheio do lanche que eu levava na lancheira da escola. Lembra o sítio de minha avó, quando saiam do fogão grandes panelas de doce de banana, doce de abóbora… Todos feitos em um tacho de cobre! Me lembra a casa da da tia Leonor, com o cheiro característico das tranças doces de coco que ela faz e que assa em seu forno a lenha. Me lembra do forno rústico de assar pães de minha avó. Adorava o cheiro que exalava quando ela retirava as brasas com a vassourinha de assa-peixe, aprontando o forno para receber os pães.

Desde criança sou fissurado em doces em geral. Acredito que existem alguns que não nos pegam necessariamente pelo sabor, mas sim pelas lembranças, pelas recordações que eles são capazes de despertar em nós.

No final de semana estive em Rio Claro e na hora do almoço, na casa da Ivone, minha irmã, ficamos lembrando as comidas que nossa mãe fazia no fogão a lenha. Uma delas, muito característica, era a flor de abóbora frita. Na beira da linha férrea que passava perto de casa nasciam muitos pés de abóbora. Pegávamos as flores e cambuquiras para a sopa. A mãe lavava as flores, secava-as com um pano, depois eram passadas em ovos batidos e farinha de rosca. Eram fritas!!! Já experimentaram esse sabor? Não? Pois deviam!

Dias atrás fez 13 anos que eu perdi o homem que ocupou o lugar de pai na minha vida. Nesses momentos de resgatar as lembranças que nunca serão esquecidas, é bom saber que tive um pai e mãe tão presentes. Ontem a noite, comi um delicioso pedaço de doce de mamão verde feito pelo meu amigo Toni, lá de Rio Claro. Doce daqueles em pedaços curtidos na cal virgem, com muita calda, o que reavivou minha memória. O doce de ontem, muito mais do que a vontade de comê-lo, teve um significado especial…

Bem, para acabar, segue a receita do doce de abóbora que minha mãe fazia. Mas, é claro, adaptado para os dias de hoje e feito no fogão a gás. Use 1Kg de abóbora madura, cortada em cubos, 2 xícaras não muito cheias de açúcar, um pau de canela, um punhado de cravos da índia e 1/2 xícara de coco ralado in natura.
Coloque todos os ingredientes (menos o coco) na panela e cozinhe em fogo baixo, com a panela semitapada, mexendo de vez em quando. Daí é só aguardar que a água que a abóbora solta comece a secar, juntar o coco e desligar (quando chegar no ponto que ao mexer você já começe a ver o fundo da panela).

Depois de frio, é só guardar em bonito pote de vidro na geladeira e comer quando bater aquela vontade de um docinho caseiro ou, como no meu caso, quando precisar de um momento especial para recordar coisas boas da vida.

Leia também  A infância nos anos 60 e 70

9 Comentários »

  1. Que delícia de lembrança. Como eramos felizes…

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    Comentário por Irany — setembro 25, 2013 @ 15:41 | Responder

  2. Meu amigo, que lembranças maravilhosas, tinha esquecido das flores de abobora, mas o doce faço sempre!

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    Comentário por Filomena Signorelli Bertoncello — setembro 25, 2013 @ 20:47 | Responder

    • Obrigado pela visita, Filomena. Abrs. Augusto

      Em 25 de setembro de 2013 20:47, A Simplicidade das Coisas — Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — setembro 25, 2013 @ 23:48 | Responder

  3. SAUDADES DA NOSSA INFÂNCIA !!!! E MUITA SAUDADES DOS NOSSOS PAIS … ÉRAMOS POBRES SIM …. MAS MUITO RICOS DA PRESENÇA DELES EM NOSSAS VIDAS !!!!ÉRAMOS UMA FAMILIA MUITO UNIDA !!! AMO VOCE MEU IRMÃO …BJOS .

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    Comentário por IVONE VERONICA MARTIN CHRISTOFOLETTI . — setembro 25, 2013 @ 22:38 | Responder

    • Tb amo vc, minha irmã. Bjs.

      Em 25 de setembro de 2013 22:38, A Simplicidade das Coisas — Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — setembro 25, 2013 @ 23:47 | Responder

  4. Caro Augusto, que lindo o teu post, com tanta cor e sentimento.
    E que ótima surpresa ser chamada de amiga e ter o meu nome aqui.
    Ótimo saber que teu fim de semana aqui no interior foi cercado de amor em família.
    Um abraço sincero, com carinho e admiração.

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    Comentário por sissi2011Simone Schmidt — setembro 26, 2013 @ 17:04 | Responder

  5. […] morei na Haras e Fazenda São José do Morro Grande – até meus 4 ou 5 anos – onde minha mãe era cozinheira, meu pai tratorista, meu avô paterno administrador e meus tios agricultores. Tais […]

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    Pingback por A infância dos anos 60 e seus sabores | A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini — janeiro 15, 2019 @ 10:23 | Responder


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