A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

outubro 10, 2022

O meu pai glutão

Meu pai era um operário que fazia trabalho pesado, mas antes disso foi agricultor. Acho que posso classificá-lo como um pouco bruto em seu modo de ser. Mas como dizem, “os brutos também amam”. Apesar da dificuldade que tinha em expressar o seu amor, era portador de um coração doce, enorme e aparentemente entre mim e minhas duas irmãs não tinha um filho preferido, como deve ser com todos os pais.

Comia muito mal e em quantidade, mas com gosto. Adorava carnes de panela bem gordas, muita manteiga ou margarina no pão, toras de mortadela, tigelas grandes de doces de abóbora, banana etc., torresmos e um sem-fim de tranqueiras. Mas não foi por conta de doença cardíaca que morreu. Acho que essa fome desmensurada foi por conta da infância e juventude que teve e as dificuldades que passou. Tinha mania de fazer estoque de alimentos não perecíveis. A cozinha era o maior cômodo da casa e em um dos cantos havia um enorme baú de madeira onde ficavam acondicionados dezenas de quilos de arroz, feijão, trigo, açúcar, sal, latas de óleo, margarina… Quando ficava sabendo que em dito supermercado havia um produto em promoção ia até lá e comprava o tanto que o dinheiro que tinha no bolso dava para comprar.

Meu pai, Antonio Martini, era um ecologista nato

Me lembro claramente da sensação de que eu tinha vendo-o comer. Dava gosto de vê-lo comer com tanto prazer. Minha mãe é quem preparava o prato. Prato fundo. Montanha de arroz com feijão e sobre ele a “mistura do dia”. A comida tinha que estar morna e ao lado do prato sua colher de estimação. Sim, ele comia de colher e tinha que ser a colher dele. Era raro ele aceitar um convite de almoço na casa de parentes ou amigos. Mas, quando ia, a colher o acompanhava, no bolso. Mesmo ainda criança, eu acho que percebia que aquela fome não era só de comida. Se fosse, ele já estaria satisfeito com três sanduíches de pão com mortadela. Mas ele chegava a devorar dez, doze de uma só vez… Dizia: “Maria, hoje não vou jantar. Vou comer pão com mortadela”. Tive que viver algumas décadas ainda para entender os vários tipos de fome das pessoas em suas tentativas de compensações.

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janeiro 13, 2021

Outras lembranças de infância – campeonato de melancias!

O post anterior foi com lembranças de minha irmã mais velha, a Tereza. E este traz lembranças da Ivone, minha irmã do meio, que mandou um áudio pelo WhatsApp, lembrando de quando a gente ia passar alguns dias das férias escolares no sítio de nossos avós paternos.

Além de plantarem nas terras do sítio dos Martini, meu avô e tios arrendavam parte de sítios próximos para plantar arroz, feijão e milho etc. Quem já morou em sítio sabe que o trabalho é pesado e as refeições são reforçadas. Por volta das 10 horas da manhã é levado o “café” para os trabalhadores, que nada difere de uma refeição como o almoço. A comida era acondicionada em caldeirões individuais de alumínio, onde tinha arroz, feijão e a “mistura”. Em garrafinhas de vidro era levado o café. Por volta de 13h tinha repeteco: era levado o almoço.

A Ivone lembrou que ela, a Tereza, a Cida e a Antônia (nossas primas que moravam no sítio) iam levar a comida para os trabalhadores na roça (onde os homens estavam cuidando da plantação). Nossa avó tinha também que preparar um caldeirãozinho para cada uma delas, pois queriam comer junto com os trabalhadores, lá, na plantação. E o nosso avô Primo Martini e os filhos,  cultivavam melancias no meio da plantação de arroz.

Em um dos dias, quando as meninas chegaram com o almoço, ela lembrou que nosso avô a pegou por uma das mãos e a levou até o meio do arrozal. Ele já havia escolhido duas melancias e as tinha colocado embaixo das palhas do capim seco que havia sido recentemente carpido, para que ficassem frescas. Depois do almoço as partiu e todos comeram. 

Mas, nesse dia em especial, nosso avô disse para elas: “vamos apostar quem come mais melancia?” E a Ivone começou a comer tanta melancia, tanta, que acabou passando mal. Nosso avô teve que colocá-la na carroça e levá-la urgentemente para a casa de nossa avó. A plantação que estavam cuidando era num sítio próximo, o sítio dos Koelle. 

Quando chegaram na casa de minha avó, ela ficou muito brava com ele e disse: “Primo, onde já se viu fazer uma coisa dessas? Você é adulto, mas ela é uma menininha, ela é uma criança, ela está passando mal!”

Ivone lembra que a nossa avó fez um chá de alguma erva amarga e a fez engolir goela abaixo. Em seguida vomitou muito, botou tudo para fora e melhorou.

Uma curiosidade: lembro que a maioria das melancias plantadas no sítio não eram consumidas ou vendidas. Serviam para alimentar os porcos.

janeiro 5, 2020

O Dia dos Reis Magos e a bruxa Befana, na Itália!

Na Itália, as festas de fim de ano acabam somente no dia 6 de janeiro, cuja data é a mais aguardada pelas crianças. Esta é a celebração mais alegre da época, dia de uma bruxa boa chamada Befana.  A bordo da sua vassoura voadora, a Befana entrega doces aos bons meninos. Aos rebeldes, carvão no lugar de presentes.  Algumas lojas vendem doces de nome “carbone” (carvão), que realmente se parecem com carvões.

Uma das coisas interessantes em viajar é conhecer novas culturas. O que também pode ser alcançado através de leituras, é claro. E ao contrário do que muita gente pode pensar, as festas de fim de ano não são iguais em todos os lugares não.

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Na Europa, de um modo geral, as pessoas não dão muita importância para noite do dia 24 de dezembro, véspera de Natal. Na Itália, se come modestamente, não se pode comer carne, assim como na Páscoa, e esse ritual que é bem intimo recebe o nome de vigília. E a meia noite, as pessoas vão para missa. Nada além disso. Terminada a missa, voltam pra casa. Árvore de Natal tem, mas eles gostam mesmo é de montar presépios. Acho que é por isso que em minha família, totalmente de descendência italiana – e em minha infância – a noite de Natal nunca foi igual aquela dos meus vizinhos. Nunca tivemos a tradição de trocar presentes. E até pouco tempo atrás associava isso a infância pobre que tive.  (more…)

maio 23, 2018

A História da Família Calore – meus bisavós paternos

De todas as pesquisas genealógicas de minha família, hoje eu consegui a informação mais completa de um dos meus antepassados – Cirillo Calore – meu bisavô por parte de avó paterna (Virgínia Calore Martini casada com primo Martini).

Cirilo era filho de Antônio Calore e de Santa Vezu. Nasceu em Padova em 31 de outubro de 1877 (sic), as 9h00. O registro foi feito em 02 de novembro, na presença do oficial do Estado Civil e de duas testemunhas. A família Calore estava estabelecida em Padova, região do Vêneto, com residência na Via Voltabarozzo, número 118, código postal 35127 (local marcado na imagem abaixo).

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Em 25 de novembro de 1894, Cirillo casa-se com Maria Rosin, em Padova,  nascida na mesma cidade. E aqui cabe uma observação: no registro do ato de Matrimônio consta que Cirillo tinha a época 23 anos e Maria 21 anos. Mas se levarmos em conta a data constante no registro do ato de Nascimento, essa idade não bate. Pelo registro de nascimento, em 1894 Cirillo teria 17 anos. Mas, caso tenha se casado com 24 anos, ele teria que ter nascido em 1871 e não em 1877.

Ainda não consegui levantar a data em que chegaram ao Brasil e também não sei quais filhos nasceram na Itália. Esse será meu novo desafio.

Meus bisavós tiveram vários filhos (Genoefa, José, Antonio, Carlos, João, Santa, Joana, Alba e Catarina). Entre eles minha avó paterna – Virgínia Rosin Calore Martini – nascida em 28 de novembro de 1902. Avós paternos Antônio Calore e Santa Vezu. Avós maternos Angelo Rosin e Luiza Noventa.

Cirillo faleceu em 13 de junho de 1946, com 74 anos, às 5h00, no distrito de Corumbataí, bairro Morro Grande, atual Distrito de Ajapi/Rio Claro/SP, por conta de um derrame cerebral.

Virgínia casou-se em Rio Claro no dia 09 de junho de 1923, Com Primo Martini, nascido em 01 de janeiro de 1902. Ele era filho de Luigi Martini e Thereza Sbrissa. Mas essa já é uma história que já contei aqui.

Cirillo Calore

março 17, 2018

A Fábrica de Oskar Schindler, em Cracóvia

Steven Spielberg, o genial cineasta, imortalizou o nome de Oskar Schindler com seu filme “A lista de Schindler”, que mostra a história do industrial que ajudou a salvar judeus durante a Segunda Guerra. NA Cracóvia, sua antiga fábrica virou um museu.

Uma região industrial de Cracóvia, na Polônia, atrai milhares de turistas, embora não seja, em princípio, um lugar tipicamente turístico. Fui a pé do centro da cidade até lá, margeando o rio Vístula. A razão é que ali se encontra a antiga fábrica de Oskar Schindler, que inspirou o diretor norte-americano Steven Spielberg a rodar, em 1993, o mundialmente conhecido “A Lista de Schindler”, filme que conta os atos heroicos do industrial que salvou centenas de judeus durante a Segunda Guerra.

A prefeitura de Cracóvia transformou a antiga fábrica em um museu e montou ali a  exposição permanente sobre a vida na cidade durante a ocupação nazista, intitulada “Cracóvia: ocupação entre 1939 e 1945”. A mostra é composta da biografia de Oskar Schindler e dos funcionários de sua fábrica.

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março 1, 2018

Sobre minha tia/madrinha, o vento e a morte e a casa da mãe Joana

Uma coisa da qual temos certeza é de que um dia morreremos; basta nascermos para começarmos a morrer.

Hoje quero deixar aqui registrado o que a gente as vezes esquece de como a fragilidade da vida é algo espantoso. Somos seres leves fingindo ter algum peso. Somos leves pesos que podem ser carregados pelo vento. Somos um pouquinho daquilo que chamamos de Deus. A morte, há quem a chame destino, mas eu a chamaria de vida. Vida que só é vida pela morte, vida que só é vida porque é um instante – um instante que insistimos em fingir sermos eternos.

Joana Nathalina Graciolli

Nossa vida é frágil e é por um instante e é assim, como uma leve pena a ser carregada pelo vento. Presos na nossa impotência de controlar o rumo desse vento deveríamos apenas então abrir os braços e nos jogarmos e voar. Mas, somos seres pensantes e fingimos pensar, e inventamos não aceitar que é um instante e muito menos que temos apenas o peso de uma pena frente à potência do universo. E acho que é por isso que dói tanto a morte. E dói também a morte porque ela vem trazer a tona a idéia da fragilidade da vida, e quando a morte de alguém querido acontece, subitamente um pavor toma conta da gente. Pavor de começar a perder todos.  (more…)

outubro 12, 2017

A teia do tempo

A teia do tempo

Por Augusto Jeronimo Martini

A coragem de sair – buscar novas terra sem mudar o céu,

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Viver é preciso, mais que navegar, lançar raizes,

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Para tudo há um tempo, deixar que as sementes caiam na terra,

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Germinem e maturem,

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Para que a colheita se faça bela e generosa,

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Em outra terra, sob o mesmo céu.

 

julho 2, 2017

Vila Maria Zélia – um tesouro no centro de São Paulo

Post publicado originalmente em 11/01/2014

A Vila Operária Maria Zélia, foi construída para ser uma pequena cidade. Foram feitas 220 casas, com duas escolas, uma para meninas e outra para os meninos, ambulatório e serviço odontológico, uma praça principal com uma igreja ladeada por dois prédios idênticos, onde funcionavam o comércio, com farmácia, açougue, sapataria, armazém, salão de festas, e um clube, com um campo de futebol. Foi a primeira vila operária a ter uma creche para os filhos dos operários.

Moro em São Paulo há 11 anos, mas, sempre mantenho meu pé no interior do estado, onde nasci. Aqui na capital, procurei um apartamento que tivesse “cara” de casa. Hoje, vivo nesse apartamento que tem até uma pequena área externa, o que é um privilégio para quem mora na capital.

O inconveniente – pagar condomínio! Assim, de uns tempos para cá estou procurando um sobrado ou casa para possível  troca.

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E lembrei  que há algum tempo, o Luiz e o Fabrício, amigos aqui da capital, me convidaram para assistir uma peça de teatro  que seria encenada em um  armazém de uma antiga vila de operários.  Cheguei, junto com eles, na Vila Maria Zélia. Fomos assistir a uma peça chamada “Hygiene”, apresentada no antigo armazém geral da Vila, escrita, concebida, dirigida e encenada pelo Grupo XIX de Teatro, que transforma praças, cadeias, hospitais, passagens subterrâneas, em “salas de teatro”.

Fiquei encantado. A Igreja, bem em frente, é simples, pequena e singela. As pequenas casas de inspiração europeia, infelizmente abrasileiradas no acabamento das fechadas, convivem em perfeita harmonia. Não há disparidades. Nada é ofensivo. Não há miséria, mas também não há ostentação.

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Maria Zélia Street

No final da vila, um pequeno clube, com churrasqueira, quadra, campo de futebol e mesinhas para jogos de cartas ou dominó. O clima de interior é reforçado pelas hortaliças cultivadas em um canteiro, pelas crianças andando de bicicletas e pelos gatos perambulando nas ruas.

A sensação é de estar em uma cidade cenográfica. Moradores disseram que é sempre utilizada para comerciais, novelas e longas-metragens, como o filme O Corinthiano (1966), com Mazzaropi. (more…)

março 11, 2017

Lembranças, saudades e cheiros de infância…

“… As pessoas podiam fechar os olhos diante da grandeza, do assustador, da beleza, e podiam tapar os ouvidos diante da melodia ou de palavras sedutoras. Mas não podiam escapar do aroma. Pois o aroma é um irmão da respiração. Com esta, ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio. Quem dominasse os odores dominaria o coração das pessoas.”   

Trecho do livro “O Perfume”, do escritor alemão Patrick Süskind

Minha mãe, aos dezesseis anos

Minha mãe, aos dezesseis anos

Os anos vão passando e a gente vai lembrando as coisas boas que aconteceram há muitos anos atrás. São memórias que fazem parte de nossas vidas… E se tais recordações trouxerem coisas boas, a isto chamamos de saudades. Tenho saudades de brincar na enxurrada da rua quando chovia. Tenho saudade de apanhar frutas direto do pé, de brincar nos bancos de areia que tinha em frente a minha casa. Tenho saudades dos meus amigos de infância; tenho saudades do cheiro dos lençóis limpos pendurados no varal e de quando passava correndo por eles… De olhos fechados, o pano deslizando sobre meu rosto enquanto eu corria… Tenho saudades de minhas idas ao barbeiro o qual recebia os clientes com aquela sua capa branca característica. Tenho saudades do cheiro da água velva que ele passava no “pé do cabelo” e que dava um friozinho por toda a cabeça.  (more…)

fevereiro 21, 2017

Dia do Imigrante Italiano – 21 de fevereiro

“A vida é o nosso maior tesouro, mas é passageira. Um dia vem a morte, o único evento comum a todos, que iguala reis e plebeus, burgueses e camponeses, pobres e ricos e todos voltam ao pó do qual somos formados. Das existências vividas restam apenas as obras e as memórias, que serão tesouros efêmeros para os que ficam, que por fim também se vão, e assim também as gerações seguintes… e a névoa do passado acaba por encobrir a história daqueles a quem devemos a nossa existência. Mas, desde o maior conquistador ao mais humilde lavrador, todo ser humano que vive dignamente do seu trabalho e com ele oferece aos seus filhos a oportunidade ímpar de existir, merece o reconhecimento e a admiração das gerações futuras. Estas vidas, com todos os seus sonhos, emoções, alegrias e tristezas, fazem parte da aventura que permitiu estarmos hoje aqui. Se deixarmos que as suas memórias morram, estaremos enterrando uma parte de nós mesmos; uma parte que está nos nossos genes, na nossa aparência, na nossa personalidade.” 
(citação retirada de http://www.ortensi.com/historia/index.php#intro)

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Porto de Gênova, em 1900

Hoje, 21 de fevereiro, no Brasil é comemorado o Dia do Imigrante Italiano.

Giuseppe Martini, meu tataravô, veio para um mundo desconhecido, com a ilusão de “fazer a América”, de ficar rico, esperando dar aos seus filhos a educação e a esperança que ele não pode ter. Chegou no Porto de Santos em 10 de abril de 1886, no Vapore Perseo. No Brasil, toda sua família teve uma vida de luta e abnegação. Foram exemplos de coragem. Emigrou, enfrentando um grande desafio movido pelo amor à família. Luigi Matini tinha 16 anos quando chegou e por aqui se casou (em Araras/SP). (more…)

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