Já escrevi vários posts sobre minhas lembranças de infância. Como tem muita coisa que não lembro, pedi para as minhas irmãs, Tereza e Ivone e para alguns primos e primas que relatem fatos que lembrem de quando éramos pequenos para que façam parte destas memórias aqui no A Simplicidade das Coisas.
Hoje a Tereza fez uma vídeo chamada comigo. Comentou que ontem, conversando com o Ademilson, seu marido, lembrou de alguns fatos de quando tinha entre 4 e 5 anos de idade. Isso quer dizer que provavelmente tais memórias são do ano em que eu nasci – 1959 ou bem próximo dele.

Naquela época, minha família morava no Haras Fazenda Morro Grande, de propriedade do Sr. Renato Mário Pires de Oliveira Dias, onde meu avô era o administrador e meu pai e tios eram colonos. Por volta de 1959, meu avô, Primo Martini, comprou o sítio Boa Vista que era de propriedade de seu pai, Luigi Martini e que ficava cerca pouco mais de mil metros do Haras e Fazenda Morro Grande. Portanto, deixou de ser o administrador da fazenda e passou a cuidar de sua propriedade. Toda a mudança foi feita por carroça. Tereza lembrou que na última viagem, os últimos pertences transportados foram os vasos com as plantas de minha avó, Virgínia Rosin Calore Martini. E ela chorou tanto, fez tanta birra dizendo que queria ir junto, que a colocaram em cima da carroça.
Ao chegar ao sítio, Tereza teve a unha do dedão de um dos pés arrancada em um acidente com um dos vasos. Chorou muito. Queria a nossa mãe. O Nelli (diminutivo do sobrenome Antonelli), amigo de meu tio Pedro Cirilo Martini (irmão mais novo de meu pai e o único tio ainda vivo do lado dos Martini) a colocou deitada de bruços sobre o seu cavalo como se estivesse carregando um saco de batatas e a levou para casa. Foi esguelhando por todo o caminho, tal era a dor que sentia. Chegando na fazenda, “a encomenda” foi entregue com a mesma brutalidade com que tinha sido carregada. Tereza tem memória privilegiada. Eu não lembro de quase nada de minha infância antes dos sete anos.
Outro relado feito pela Tereza foi o de um “causo” que meu avô sempre contava e que fazia rir muito a ele e a quem o ouvia. Até a década de 70 havia uma linha férrea que ligava Rio Claro a Corumbataí. A Maria Fumaça circulava em trilhos de bitola estreita e ia parando em alguns lugares durante o trajeto, como a Fazenda São José, o bairro rural de Cachoeirinha, e Morro Grande (atual Distrito de Ajapí) etc.
Pois bem. Uma das famílias mais abastadas de Morro Grande era a do clã dos Piccoli, sendo o seu patriarca conhecido como Dr. Piccoli. Ele não era doutor nem nada, mas o chamavam assim por conta de sua influência e poderio local. Para se ter uma ideia, a estação de trem ficava dentro de sua propriedade. E ela está lá até hoje. Segundo meu avô, numa viagem entre Rio Claro e Morro Grande o Dr. Piccoli vinha todo garboso, fingindo ler um jornal (e pelo que meu avô dizia ele não sabia ler). Em certo momento uma senhora percebeu que o jornal estava de ponta cabeça. Tocou no ombro dele e disse: “Dr. Piccoli, seu jornal está de ponta cabeça”. Ao que ele respondeu: “Eu sei. Já li ele todinho. Agora estou deslendo”.
Verdade ou não, percebe-se que o Dr. Piccoli era um italiano de raciocínio rápido.