A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

agosto 25, 2022

Edmundo Navarro de Andrade – vida e obra

Edmundo Navarro de Andrade nasceu em São Paulo em 02/01/1881, na antiga Rua do Chá, hoje Barão de Itapetininga. Ele era filho de João de Campos Navarro de Andrade (jornalista e teatrólogo) e Dona Cristina de Afonseca Navarro de Andrade.

Edmundo Navarro de Andrade

Foi batizado por Dona Veridiana Prado e o filho dela, Eduardo Prado. Edmundo Navarro de Andrade, com o apoio do padrinho, em 1896, foi para Coimbra estudar, matriculando-se na Escola Nacional de Agricultura, onde o curso era de 6 anos.

Durante o período de estudo, por ocasião de estar em férias, veio ao Brasil duas vezes, em 1899 e 1902, e numa delas passou todo o tempo na Fazenda Campo Alto, em Araras/SP, de propriedade de sua madrinha. Nesse local colocou em prática os seus conhecimentos sobre arboricultura, podou as árvores frutíferas da fazenda, o que deixou o administrador da fazenda preocupado, mas depois viu que o rapaz sabia o que estava fazendo.

Em1901 faleceu Eduardo Prado, seu padrinho, e D. Veridiana passou a custear os estudos de Edmundo, que voltou ao Brasil em 1903, diplomado, e em São Paulo, passou a morar na casa da Rua Visconde do Rio Branco, em que residira e falecera Eduardo Prado. Mas ia todos os dias fazer suas refeições na chácara de sua madrinha e em companhia dela. Dona Veridiana era extremamente correta e não aceitava falcatruas. E esta convivência  teve grande influência na formação do caráter de Edmundo.

Um dia, pela manhã, Navarro recebeu um bilhete de sua madrinha, no qual ela lhe pedia que não fosse jantar com ela naquele final de tarde. No dia seguinte ele soube que o Conselheiro Antônio Prado fora jantar com D. Veridiana. Ele naquela época era o então Prefeito de São Paulo e Presidente da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. E este deixou um convite para que Navarro o procurasse na chácara Carvalho, de sua propriedade. Foi então que ele teve o primeiro contato com Eduardo Prado, a quem “iria dever a maior parte do êxito da minha carreira e que, durante 25 anos, me honrou com afeto verdadeiramente paternal“. Nesse encontro Navarro foi informado que a Companhia Paulista estava procurando tomar medidas que estimulassem a cultura florestal no Estado, e que estes cultivos ficassem ao longo das suas linhas férreas. Tal ideia havia sido apresentada por Adolfo Pinto e que, para melhor conhecer o plano em todos os seus detalhes, deveria ele procurar seu coautor.

Assim, em 30 de dezembro de 1903, Navarro recebeu a seguinte carta, assinada pelo Conselheiro Antônio Prado:
“São Paulo, 30 de dezembro de 1903. Ilmo. Sr. Engenheiro Edmundo Navarro e Andrade. Comunico a V.Sa., para os devidos fins, que o tenho nomeado para exercer o cargo de Diretor do Horto Florestal que esta Companhia trata de estabelecer próximo à Jundiaí, com o vencimento mensal de 400 mil réis. Aceite V.Sa. meus protestos de consideração e estima”.

Edmundo, com 23 anos de idade, assumiu assim a direção do Horto Florestal da Companhia Paulista e ingressou na vida prática agronômica.

Os trabalhos foram iniciados em 1904, com a instalação do Horto de Jundiaí, em terras já adquiridas pela Companhia, a 8 quilômetros daquela cidade. Navarro plantou ali, além dos eucaliptos, muitas das nossas essências indígenas, tais como a Peroba, o Jacarandá, o Jequitibá, o Cedro, a Cabreúva, a Canela, a Araucária, o Carvalho português, a Casuarina, a Tristânia, Grevílea…, ao todo 95 espécies, para que, depois de análises científicas, fosse indicada a mais interessante economicamente para o reflorestamento desejado.

Deste estudo, se destacaram de tal modo os eucaliptos que já em 1906, tendo a Cia. Paulista adquirido uma outra gleba de terras em Boa Vista, nas proximidades de Campinas, foram ali plantados eucaliptos de várias espécies.

Enquanto estudava o assunto de reflorestamento, Navarro, convidado pelo seu ex-professor de silvicultura, Cardoso de Menezes, aceitou a incumbência que lhe dava o governo português de complementar o trabalho que José Bonifácio de Andrada e Silva havia apresentado, em 1813, à Academia de Ciências de Lisboa, sobre o meio de combate às dunas.

Assim, em 1904, Navarro de Andrade publica o seu primeiro trabalho em livro, “Dunas”, que serviu igualmente para a sua tese de doutoramento. Pela excelência deste trabalho, o governo português o premiou com a Comenda da Ordem de Cristo, a qual lhe foi entregue pessoalmente pelo então Rei de Portugal.

Em 1909 é criado o Horto Florestal de Rio Claro, onde Navarro de Andrade teve sua residência, fazendo do local centro de diversas pesquisas sobre o eucalipto, onde foram arquivados os resultados de seus trabalhos, dando origem ao Museu do Eucalipto em 1916, e publicou o seu primeiro livro sobre a “Cultura do Eucalipto”, no qual transmite todas as observações e estudos feitos relativamente ao seu cultivo. Em 1910, empreendeu uma viagem que durou 7 meses, estudando nos Estados Unidos e em vários países da Europa tudo que neles havia com relação aos serviços florestais.

Quando voltou publicou “A cultura do Eucalipto nos Estados Unidos”, e em 1911 o “Manual do Plantador de Eucaliptos”.

Já nesse tempo a Companhia Paulista resolveu transformar o serviço num departamento autônomo, sob a denominação de “Serviço florestal”. Foram compradas mais terras em Loreto, nas proximidades de Araras, onde também foi instalado um Horto.

Em 1912, duas outras obras foram publicadas: “A utilidade das Florestas” e a “Dinamite na Agricultura”.

Em 1913, empreende outra viagem, fazendo parte de uma comissão do Governo do Estado de São Paulo, visitando o Egito, a Índia, Ceilão, a Malásia, Sumatra, Java, Nova Guiné, Austrália, além de diversos países da Europa.

Em Sidney, conheceu o Diretor do Jardim Botânico e ao mesmo tempo o maior eucaliptólogo e eucaliptógrafo do mundo, J. H. Maiden, sucessor e revisor da obra do célebre alemão, Barão Von Müller. Maiden interessou-se pelo jovem silvicultor, e, a fim de garantir o êxito dos seus estudos na Austrália, pôs à sua disposição o Chefe do Serviço Florestal da Nova Gales do Sul, em cuja companhia Navarro, durante três meses, percorreu as regiões daquele Estado e também Vitória e a Queenslândia, correspondentes relativamente às latitudes do Brasil, o que contribuiu para ampliar consideravelmente os seus conhecimentos eucaliptológicos.

Um pouco antes de retornar, Navarro foi presenteado por Maiden com um precioso herbário, que se encontrava no Horto Florestal de Rio Claro na época em que eu escrevia a minha dissertação de mestrado e recebeu sementes de 150 espécies diferentes de eucaliptos, que deveriam servir para futuras pesquisas no Brasil.

A “Cultura do Café nas Índias Neerlandesas”, fruto também de seus estudos nessa viagem, foi publicado em 1914, e, logo a seguir, em 1915, sai é publicada “Questões Florestais”.

Em 1915 foi instalado outro horto em terras adquiridas pela Companhia Paulista, em Tatu, próximo à cidade de Limeira.

Em 1916 Navarro publicou outro livro, “Les Bois Indigènes”, em colaboração com Octávio Vecchi.

Em 1917, instala o Horto de Camaquã, nas proximidades de Rio Claro.

Em1918, enquanto termina a publicação do livro “Os Eucaliptos – sua cultura e exploração”, e estabelece mais dois hortos, em Sumaré e Cordeirópolis, se prepara para nova viagem, visitando novamente os Estados Unidos, e percorrendo Cuba, Havaí, Japão, Malásia, Ceilão, Índia, Java e África do Sul.

Publica mais dois trabalhos em 1920: “À volta do Mundo”, no qual ele descreve impressões da viagem aos diversos países, feita em 1918, e “Instruções para a Cultura da Juta em São Paulo”, também produto de estudos e observações realizadas durante a viagem de 1918.

Em 1921, a Companhia Paulista, por proposta do Engenheiro Francisco de Monlevade, iniciou os estudos para a eletrificação das suas linhas, e surgiu, então, a necessidade de postes. Como nessa época existiam poucos eucaliptos com as dimensões necessárias para esse fim, foi realizada uma experiência com eucaliptos de 15 anos de idade e com o Guarantã, uma espécie local.

Desta experiência, realizada em Jundiaí, os eucaliptos saíram-se vitoriosos, muito além da expectativa, pois, enquanto o Guarantã, colocado no dinamômetro, partia-se com uma carga de 2790 Kg, o Eucalipto tereticornis resistiu até 6517 Kg. Sem falar que o Guarantã tinha 150 anos de idade, ou seja, 10 vezes mais idade que o eucalipto.

Ao mesmo tempo que termina de escrever “O Reflorestamento do Brasil e a Companhia Paulista”, publicado em 1922, Navarro segue para outra grande viagem. Vai para à França, Itália, Grécia, Turquia, Palestina, Cairo, Argélia, vai a Gibraltar e de lá a Lisboa.

Em todas estas viagens, a preocupação máxima de Navarro foi visitar plantações de eucaliptos, onde quer que elas existissem, por menores que fossem, inteirando-se de tudo o que pudesse se relacionar com a cultura da essência australiana.

“O Problema Florestal no Brasil” e “Café, Juta e Borracha” são outros dois trabalhos que Navarro publicou em 1923.

No ano de 1924 foi convidado pelo Governo do Estado de São Paulo para fazer parte da Comissão Encarregada da Debelação da Broca do Café, publicando nesse ano um Relatório da comissão Técnica sobre a broca do café, em colaboração com Artur Neiva e A. Costa Lins, e “Ilustrações para o Combate à Broca do Café”, em colaboração com A. Neiva e A. Queiroz Telles. Os trabalhos da comissão continuaram a ser realizados em 1925, ano em que publicou, em colaboração com A. Neiva e A. Queiróz Telles, o folheto “A broca do Café”.

Ainda nesse ano, volta pela terceira vez aos Estados Unidos para estudar a possibilidade da fabricação de polpa para papel com madeira de eucalipto, pois na Austrália haviam sido feitas experiências neste sentido, as quais foram abandonadas por julgarem as fibras muito curtas, ou, ainda, em virtude da textura ou cor da madeira.

Levou nessa viagem 4 toras de eucalipto, duas de cada espécie (saligna e tereticornis) de árvores com 15 anos de idade, que ele próprio havia plantado. As respectivas experiências foram realizadas no Forest Products Laboratory, em Madison, Wiscosin, com a colaboração de todos os cientistas daquela Instituição, principalmente do seu amigo particular, R. N. Miller.

Os testes deram resultados muito satisfatórios, pois, contra a expectativa geral, foram fabricados diversos tipos de papel de boa qualidade. Um deles serviu para a impressão de uma parte da edição do “Wiscosin State Journal”, de 30 de dezembro de 1925. O Museu da Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade -FEENA, de Rio Claro, possui um exemplar dessa edição.

Seu segundo livro sobre impressões de viagem sai em 1927 é uma reunião de artigos publicados no “O Estado de São Paulo” e em outros jornais do Brasil e ao qual Navarro deu o título de “Por aí Além”.

Em 1928, a Sociedade de Aclimação de França lhe conferiu a Grande Medalha de St. Hilaire, como recompensa pelos seus trabalhos de silvicultura. Outro livro de sua autoria é publicado ainda nesse ano: “O Eucalipto e suas Aplicações”.

Em 1930, publicou um volume sobre “Citricultura”; em 1932, “A Relação acidez-açucares nas laranjas”, e em 1933, “A Citricultura no Brasil” e “Manual de Citricultura”.

Ocupou-se igualmente de assuntos entomológicos e a grande coleção de insetos que se encontra no Museu da  FEENA mostra o interesse que Navarro dispensou ao assunto.

Publicou sobre a matéria diversos trabalhos entre os quais “Contribuição para o Estudo da Entomologia Florestal Paulista”, “Pesquisas sobre a Biologia da Mosca da Madeira”, e “Praga dos Bambus”.

Navarro foi Secretário da Agricultura do Governo do Estado de São Paulo, na Interventoria de João Alberto, desempenhando o cargo de fins de 1930 a junho de 1931. E em 1932 publicou um folheto de defesa contra críticas que lhe foram dirigidas por atos que praticou quando Secretário e ao qual deu o título de “A mentira Oficializada”.

Em 1933, Juarez Távora, Diretor Geral do Ministério da Agricultura e Ministro dessa pasta, teve em Navarro um dos seus grandes auxiliares. A serviço deste departamento federal, Navarro viajou pelo norte do Brasil, visitando em diversos Estados os serviços relacionados àquela Diretoria e dando frutíferas contribuições.

Em 24 de outubro de 1934 passou a integrar a Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira vaga com o falecimento de Adolfo Pinto seu antigo companheiro de trabalho na Paulista.

Em 1935, Navarro instala o Horto de Córrego Rico, e, no ano seguinte, mais três: os de Ibitiúva, Brasília e São Carlos.

Publica, em 1936, em inglês, “Agricultural Resources”, folheto de propaganda do Estado de São Paulo.

Em 1937 faz curta viagem ao Uruguai e no regresso funda mais dois hortos: o de Descalvado e o de Tapuia, aos quais seguiram-se o de Guarani e o de Aurora, em 1938. Ainda nesse ano publica o folheto “O Angico do Serrado”.

Em 1939 segue pela última vez à Europa e antes de regressar ao Brasil vai aos Estados Unidos. Na volta publica “O Eucalipto”, seu último livro.

Em fins de 1940 cria o Horto de Aimorés, o maior dos hortos que a Companhia Paulista teve e onde existiu a maior plantação de eucaliptos.

Em reconhecimento pelos seus extraordinários esforços na introdução e utilização do eucalipto no Brasil, o Conselho da Associação Genética Americana concedeu a Navarro a “Medalha Meyer”, instituída para premiar os introdutores de plantas exóticas, de fins econômicos, até então concedida 17 vezes, e apenas 4 para cientistas não norte-americanos. A sessão solene para a entrega da medalha aconteceu no dia 2 de junho de 1941, no Parque da Estação para Introdução de Plantas, em Maryland, tendo Navarro recebido a condecoração das mãos de Mr. B. Y. Morrison, da Diretoria daquela Associação.

Edmundo Navarro de Andrade faleceu m 1º de dezembro de 1941, com 60 anos e em consequência de uma operação a que se submeteu.

Curiosidade

Durante minhas pesquisas, li que Edmundo era tão apaixonado pela profissão e estudos que cuidadosamente separou algumas tábuas de eucalipto com as quais gostaria que fosse confeccionada sua urna mortuária e que isso não foi respeitado. E que tais tábuas foram posteriormente depositadas em seu túmulo e ao lado de seu caixão.

Até alguns dias eu não sabia onde estão seus restos mortais. Em pesquisa na internet deparei-me com a notícia abaixo, publicada no jornal O Estado de São Paulo na edição de 02/12/1961.

Jornal O Estado de São Paulo, edição de 02/12/1961 – noticiando que diretores e funcionários dos hortos florestais estiveram no dia anterior no Cemitério São Paulo, como faziam todos os anos, para prestar homenagens a Edmundo Navarro de Andrade.

Na tarde da última terça-feira (23/08/22), fui até o Cemitério São Paulo, localizado na Rua Cardeal Arcoverde, 1250 – Pinheiros, São Paulo – SP, 05408-001 e dirigi-me até ao prédio da administração com a data da morte. Consegui localizar o túmulo, sito na Quadra 28, jazigo 294, cujas imagens seguem abaixo.

Diferente dos túmulos de algumas personalidades enterradas naquele cemitério, a tumba de Edmundo Navarro de Andrade parece nunca ter sido restaurada desde seu enterro. Já degradada, a placa com o seu nome está parcialmente coberta por uma Figueira que está se desenvolvendo numa fresta da lápide. Existem partes quebradas, aparentemente o jazigo foi violado, pois onde deveria ter uma porta, esta foi substituída por uma placa de concreto cujas frestas largas deixam ver o interior. Fiquei chateado com essa situação. Proponho à Associação Amigos do Horto Rio Claro – FEENA, e ao Governo do estado de São Paulo, mais precisamente à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente e diretamente aos responsáveis pela FEENA, que busquem recursos para financiar uma restauração no tumulo, que já foi ponto turístico, por anos, desde a morte do silvicultor.

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2 Comentários »

  1. Uma figueira está crescendo numa fresta da lápide… Uma homenagem da natureza… Mas é claro que é preciso restaurar o túmulo… Memórias que precisamos passar para as próximas gerações…

    Curtido por 1 pessoa

    Comentário por Adriano Picarelli — agosto 25, 2022 @ 15:45 | Responder


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