As lembranças desse texto foram vividas na Vila Martins, na casa em que minha família morava na Rua M1-A, esquina da Avenida M1-A, na cidade de Rio Claro/SP, no final dos anos 60. Eu tinha uns 9 anos, as ruas eram de terra batida e em toda sua extensão havia um terreno enorme, local da antiga linha férrea da Maria Fumaça que ligava Rio Claro a Ajapí, Ferraz e Corumbataí. Em frente de minha casa começariam em breve a construção do Ginásio Estadual Prof. João Batista Leme, atual Escola Estadual com o mesmo nome. Era um tempo de inocência, de brincadeiras de rua, sem televisão e jogos eletrônicos. Volta e meia ouvia-se mercadores passando em carroças e mais raramente em carros, vendendo todo tipo de produto. Lembro do proprietário de “A Feira Permanente” que passava semanalmente com uma carrocinha empurrada por ele, vendendo suas mercadorias. Gritava: “senhoras, venham! Eu tenho meias, lenços, pennnnnnnntes e camisetas”. Essa loja, tradicional de Rio Claro, ainda existe. Está localizada na Rua 1 com a avenida 16 e hoje é administrada por netos daquele senhor. Minha mãe era frequentadora assídua desse Armarinho e eu ia sempre com ela quando fazia suas compras. O dono do negócio – o qual não lembro o nome – era muito simpático, tinha fala mansa, usava uns pequenos óculos de leitura apoiados sobre a ponta do nariz e não sei por que me remetia à figura de um padre. Acredito que devido à sua peculiar gentileza.
Sempre gostei de ler! Passava hora sobre a cama, lendo, viajando nas estórias dos personagens da Disney e do Maurício de Souza. Também adorava ler Júlio Verne e Monteiro Lobato. Minhas revistas em quadrinhos nunca eram novas. Na Avenida 8-A, esquina da Rua 4-B, em frente ao DAAE – Departamento Autônomo de Água e Esgoto, havia um sebo, cujo proprietário era um homem que provavelmente fora acometido de paralisia infantil, pois não tinha movimento nas duas pernas. Fumava muito! Quando terminava de ler minhas revistas, ia até lá e trocava duas já lidas por uma que ainda não tinha lido. E de vez em quando, com algumas poucas moedas, adquiria um novo lote.

Estando sempre dentro de casa, acompanhava a rotina de minha mãe e as costumeiras conversas que ela tinha com as vizinhas e com as pessoas que batiam no portão. Havia a Shirlei, uma senhora com pequena deficiência intelectual que costumeiramente passava para tomar um copo de água. Trabalhava como doméstica numa residência próxima. E nesse interim dizia para minha mãe: “D. Malia (minha mãe se chamava Maria). Ela pensa que eu sô clava (escrava) pá passa covão (escovão, para quem não conhece, digamos que era uma enceradeira manual). Num sô clava não!” Também soltava de vez em quando um “daputa” referindo-se à patroa, diminutivo daquele palavrão que não quero escrever aqui.
Semanalmente também batia em nosso portão uma senhora perto dos 60 anos, pequenininha, roupas surradas, avental amarrado na cintura, lenço na cabeça, vendendo canecas e canecões feitos com latas recicladas de massa de tomate, de ervilhas, de milho verde, latas de Leite Ninho ou Nescau etc. A acompanhava sempre o seu filho, cego de nascença, sempre vestido com calça e camisa social surradas, chapéu de palha na cabeça. Ele segurava o braço esquerdo da mãe pela altura do cotovelo, movimentava o corpo e a cabeça ininterruptamente num suave balanço e dizia sem parar: “O braço da mãe tá quente! O braço da mãe tá quente”. Essa cena me comovia profundamente e ainda hoje fico mexido. Lembro-me que essa senhora comentou com minha mãe que ele dizia isso pois sabia que enquanto o braço dela estivesse quente ela estaria viva. Era o apoio e referência de cuidados para com ele. Não tenho lembrança muito clara do que aconteceu com essa família. Parece-me que alguns anos depois a senhorinha faleceu. Gostaria muito de saber o final dessa estória. Se algum leitor rio-clarense souber, por favor, deixe aqui nos comentários.
Meus abraços, com carinho!
Alô amigão, boa noite!!
Que bacana essas lembranças.
Pq vc não organiza pra publicar um livro? Dou a maior força.
Grande abraço. Parabéns!!
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Comentário por Augusto Cecílio — dezembro 2, 2021 @ 22:15 |
Bom dia 🙏
Grande abraço. Obrigado.
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Comentário por Augusto Jeronimo Martini — dezembro 4, 2021 @ 8:55 |