“Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo”.
Adélia Prado
Nasci, no final década de 1950, no município de Rio Claro/SP, mas meus pais, tios e avós moravam e trabalhavam na Fazenda e Haras Morro Grande, distrito rural daquela cidade. Sou o terceiro filho de uma família de três irmãos, que era para ser de quatro. Minha mãe perdeu um filho quando estava grávida de 6 meses. Meu pai era o terceiro dos oito irmãos de uma família de filhos de italianos. Só conheci a minha avó paterna, Virgínia Rosin Calore Martini. Ela contava as aventuras da longa travessia do oceano que seus pais fizeram, da Itália até o Brasil, que teria durado seis meses, entre outras histórias.

Depois de algum tempo, meu avô, Primo Martini, comprou um sítio bem próximo da fazenda onde trabalhavam. A casa, bem simples, ficava em uma parte baixa do terreno, com muitas árvores frutíferas ao redor, como laranjeiras e mangueiras. Tinha também um pé de jambo enorme, que ficava do lado esquerdo da casa, no qual eu e meus primos costumávamos subir. Tudo permeado pelas flores da minha avó. Roseiras, cravos, dálias, rainhas margaridas, olgas, primaveras…Tinha duas cozinhas na casa e um corredor comprido onde havia os quartos de dormir. E lá no sítio, não havia separação entre a vida dos adultos e das crianças. As tarefas eram feitas em conjunto, quer sejam as domésticas ou as da roça, cada um com responsabilidades compatíveis com a idade e a força.
Cultiva-se basicamente arroz, feijão e milho. Mas lembro que tinha velhos pés de café, talvez plantados pelo antigo proprietário ou outro qualquer, que ainda produziam. Do lado de fora da janela da sala de jantar tinha um pequeno parreiral, que produzia uvas brancas e escuras e que quando produziam tinham seus cachos vigiados por meu avô. Nas festas de ano novo, sempre tinha vinho tinto de garrafão e lembro que minha avó misturava vinho com água e açúcar cristal. Colocava em canecas e dava para nós, ainda crianças, molhar o pão. Não, ainda não bebíamos vinho puro. Ter o direito de tomar vinho correspondia a um ritual de passagem da vida de criança para a de adulto. Todo o trabalho no sítio era feito manualmente. Cada filho que nascia representava mais uma enxada, um machado, uma foice, um facão… A cada ano e com a parcimônia e sabedoria do meu avô e tios, derrubava-se nova porção de mato para ampliar a área de cultivo. Uma junta de bois ou um cavalo puxava o arado. Por ali, raramente usava-se o dinheiro. O que havia era muito escambo.
De manhã, meus primos que moravam no sítio iam à escola que ficava praticamente dentro do sítio de meu avô, na beira da estradinha de terra. Caderno, cartilha e lápis eram acomodados num “sapicuá” – uma sacola de pano, com alça, para dependurar no ombro, onde também iam frutas ou um lanche. Uma das professoras, D. Candinha Demarchi, vinha da cidade para ministrar as aulas.
Não havia luz elétrica. À noite, usava-se lampião e lamparina com querosene. Sem luz, sem rádio, televisão nem pensar, sem jornal, as notícias chegavam por meio de mascates que iam de sítio em sítio vendendo produtos, medicamentos, ou em conversas com algum comerciante que já possuía rádio. Eles diziam: “Deu no rádio”. Passava a ser a informação do mundo, verdadeira e única.
Só depois de algum tempo e já morando na cidade é que soube da existência do tal Papai Noel. Antes disso nunca ouvi a estória do bom velhinho e seu trenó, puxado por renas, do Polo Norte, vindo sobre a neve com o saco de presentes. Essa figura não existia para nós. O bom velhinho de barba branca e vestes vermelhas jamais andou por lá. Na minha infância, quem trazia os presentes era o Menino Jesus. Passava de casa em casa, montado em seu jumentinho, deixando-os para as crianças que, ao longo do ano, tinham sido bem comportadas e obedientes. Sob a árvore de Natal, que era um galho de pinheiro ou um galho seco de árvore, ao lado do rústico presépio armado na sala, com as figuras do Menino Jesus, Maria, José, pastores, ovelhas, vacas, o chão forrado com areia ou serragem, colocávamos uma caixinha para o presente que quase sempre era um corte de tecido para uma roupa nova e que teria que durar o ano todo.
Depois que fomos morar na cidade fazíamos visitas aos meus avós e tios em pouquíssimos finais de semana ou no ano novo, para comemorar o aniversário de meu avô. Íamos de jardineira (da empresa de ônibus José Alexandre Junior) ou de Maria Fumaça até a estação de Morro Grande (hoje Ajapi). O restante do caminho seguíamos a pé por uma linda estradinha de terra, rodeada de árvores, laranjeiras, cafeeiros, milharais, onde por uns 2 km podíamos ouvir o canto de Sabiás, Bem-te-vis, Tico-ticos, Tizius, Anus-pretos, sentir o cheiro do mato, do capim gordura, ouvindo o barulho que o vento fazia batendo nas moitas do capim barda de bode…
Ah, lembranças… De quando em vez a saudade chega de mansinho, cutucando aquele cantinho da mente que estava adormecido, fazendo a gente viajar no tempo. Coisas e causos vividos. Vontade de voltar…
Que lindooo estou lendo para a Bia ela falava que dó..kkk hoje eles tem tudo tão fácil neh
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Comentário por Endgy — agosto 29, 2021 @ 19:06 |
A tempo bom de infância só resta boa lembranças,amei a leitura.
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Comentário por Elisabete Maschio de Araujo. — agosto 29, 2021 @ 22:01 |
Amei ler sua história, voltei um pouquinho ao passado. Eu me lembro que minha mãe fazia sanfruau, misturava vinho, água e açúcar, era tão bom. Por isso que gosto de vinho suave. Kkk
Parabéns, continue escrevendo, aliás tu escreveu muito bem 👏👏👏
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Comentário por Rogéria Ap. Claro Ferreira — agosto 29, 2021 @ 22:06 |
Muito obrigado, Rogéria🙏
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Comentário por Augusto Jeronimo Martini — agosto 31, 2021 @ 9:04 |
Digo minha mãe fazia sangria (água , vinho e açucar)
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Comentário por Rogéria — setembro 1, 2021 @ 8:33 |