Cada vez mais os recursos tecnológicos, tão presentes em nosso dia a dia, cumprem o papel de unir as pessoas. Participo de alguns grupos no WhatsApp. Um deles, denominado “Amigos para sempre”, é formado por minhas professoras do primário e pelos amigos de classe. Nos comunicamos todos os dias. E hoje o Antônio Carlos Pistaker passou por lá para lembrar que nesse 23/12/2020 comemoramos 50 anos de formatura! Fiquei assustado com a lembrança e com os amigos comentando sobre o dia. O Norberto Demos lembrou que foi o orador da turma. Outros também registraram suas recordações. E eu não lembro de nada! Será que não estive nessa cerimônia? Tento puxar pela memória e nada!
Ultimamente venho pensado muito na minha infância, não com saudade ou saudosismo e nem com desejo que tudo tivesse sido diferente. Apenas tenho pensado. Talvez para resgatar as lembranças da criança que fui, que pude ser, que me deixaram ser. Tenho me esforçado para lembrar pequenos momentos que podem ter definido minha personalidade, os traumas, a visão de mundo e até o jeito que hoje lido com a felicidade ou com os momentos de frustração.

Nossa máquina cerebral é um sistema maluco e seletivo, a ciência explica. Mas não quero saber da ciência e do jeito polarizado de pensar que toda causa tem um efeito. Quero complicar mesmo, dialogar com o meu EU do passado, perguntar para ele o que achou de suas vivências, o que ele gostava de fazer e o que não gostava e se ele gostava de ser criança.
Mas nessa espécie de viagem no tempo, embora eu tenha na lembrança que gostava de ser uma criança solitária, é impossível fugir do diálogo com as pessoas que fizeram parte da minha infância. Com essas pessoas eu não dialogo no sentido de conversar exatamente. Dialogo apenas com lembranças sutis de rotinas que tento reviver na memória e que se eu lembro muito bem, de alguma maneira, faz parte de quem sou hoje.
Gosto de sempre voltar a lembrar dos meus falecidos avós, de imaginar como deve ter sido minha avó materna que não conheci, enfim, todos eles abrigam minha memória de alguma forma muito afetuosa. Meu avô paterno, Primo Martini, sempre tinha um pedaço de fumo de corda e um canivete no bolso. De vez em quando tirava uma lasca de fumo, colocava na boca, mascava e depois cuspia. Eu tinha nojo, achava estranho e falta de educação cuspir. Sempre fui muito fresco com algumas coisas. Quando eu converso comigo mesmo criança pergunto se eu não gostaria de ter sentado no colo dele e mascado aquela coisa nojenta também.
Penso que aprendi a gostar de assistir desenhos, séries e filmes por conta dos muitos gibis e livros de aventura que li durante a infância. Adorava ler Monteiro Lobato e Júlio Verne. A TV só entrou em casa quando comecei a trabalhar aos 15 anos e comprei uma Colorado RQ usada! Antes disso, assistir TV era na casa dos vizinhos.
Meu pai, Antonio Martini, foi o primeiro que me apresentou o conceito de reciclagem. Pegava pregos e parafusos que achava nas ruas. Pedaços de madeira descartados no lixo viravam bancos, cadeiras e escadas.
Definitivamente foi com meus pais que aprendi sobre o que é a vida. O trabalhar sem fim, não depender de ninguém, sustentar a casa e ainda serem as pessoas mais excepcionais de todo o mundo. Longe de romantizar tudo isso, para mim eles foram os pais mais fantásticos de todos. Mas eles tinham certa fragilidade, submissão e um excesso de zelo com tudo. Acho que incorporei isso, trouxe de minha infância essas sensações de medo, de só comprar o que conseguir pagar, de não ficar devendo nada para ninguém… Nunca entendi isso, mas apesar de fazer de tudo para não demonstrar, muitas vezes tenho esse sentimento de baixa autoestima.
Se hoje sou apaixonado por plantas, conhecedor de árvores, não é pela moda. É pelo que vi e vivi em minha infância e muito porque sinto que assim tenho meus avós e pais mais perto de mim. Minha avó Virgínia Rosin Calore Martini molhava suas plantas conversando com elas. “Elas sabem e sentem tudo”, dizia. Adorava flores!
Falando em conversar com plantas, volto ao meu pai. Dele tenho a lembrança estranha e afetuosa de caminhar no Horto Florestal, aonde ia em busca de algum “mato” para chá a pedido de algum vizinho. De vez em quando parava, tocava algum tronco de árvore ou folha e parecia conversar com a planta. Certamente foi com o meu pai que aprendi a sonhar. Ao mesmo tempo que ele lutava e trabalhava para nos dar uma vida melhor, me ensinava que por mais difícil que fosse, uma vida diferente e melhor daquela que vivíamos seria possível a custo de muito trabalho. “Você não pode depender de ninguém”, dizia. “Você não pode abaixar a cabeça nunca, a vida não é fácil”. “Seja honesto sempre”.
Com minha mãe aprendi a ser quem eu sou pelo exemplo, porque ela era única, doce, humana, carismática e gentil com todos. Ela era quem ela era. O mundo poderia estar caindo em problemas que eu, criança, ainda não entendia, e ela não deixava isso transparecer. Hoje sei que isso era conhecimento tácito. E não porque ela tenha se formado em algo (minha mãe cursou somente até a 4ª série). Sempre me incentivou a estudar. E não tem um dia da minha vida que eu não seja grato por isso.
Apesar de lembrar muito pouco sobre fatos de minha infância, sei que nem tudo foi “divino e maravilhoso”. Sei também que passei algum tempo da minha vida ressaltando e lamentando as faltas que tive, e chorando as ausências. Gosto de passar momentos como esse, tentando resgatar tudo de bom ou ruim que tive, para me abraçar, para perdoar e me perdoar hoje, ser feliz hoje, agradecer o hoje, e como as crianças costumam fazer, viver o hoje.
Ainda estou tentando resgatar alguma memória da cerimônia de formatura do primário e nada! Mas, quando aflorarem, certamente será motivo de novo post.
Feliz Natal! Feliz vacina anti Covid19! Que 2021 seja mais leve para todos nós.
´Feliz de quem tem lembranças boas
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Comentário por MARCOS ANTONIO DOS SANTOS — fevereiro 3, 2021 @ 14:06 |