Fazer um bolo não é só bater gemas e açúcar, claras, colocar farinha, fermento, manteiga e leite. O jeito de fazer esse bolo, de preparar alimentos, pode mostrar a história de uma família, suas tradições, seus caminhos. O cheiro que vem da cozinha não nos induz apenas que haverá bife com cebolas para o almoço, mas nos remete às idas na casa das nossas avós e tias. O apitar da panela de pressão não nos alerta só que o feijão está pronto. O cheiro nos faz lembrar do tempero especial da mãe, da tia, da avó e todas as lembranças das conversas que já tivemos durante as refeições ou festas de aniversários que habitam nossas memórias mais queridas.

As memórias que eu tenho da cozinha e comidas de minha mãe, tias e avó percorrem todo um universo afetivo registrado próximo a fogões e mesas. Penso que a comida conta muito sobre a nossa própria história e nos ajuda a olhar e a pensar sobre a vida de um jeito especial.
Quem não tem receitas de família guardadas em cadernos ou em folhas de papéis avulsos? Como não preservar as histórias que eles nos revelam? Muitas dessas anotações trazem receitas retiradas das embalagens, das caixas e das latinhas, ou passadas por alguma pessoa conhecida. E tudo isso diz muito sobre nós, sobre a maneira como vivemos e quem somos.
Os cheiros e os sabores percorrem caminhos estreitos e profundos dentro da gente. E sempre resgatam alguma boa recordação guardada, lá no fundo. E nesses tempos de pandemia estamos tendo mais tempo para refletir sobre o papel dos alimentos, daquilo que comemos e a maneira como estamos enfrentando essa rotina. Penso ser o momento ideal para começar a escrever sobre as receitas resgatadas, algo muito pessoal e carregado da gente mesmo a partir da receita do bolo de fubá da avó, do pão caseiro da mãe, da geleia de jabuticaba, da torta de banana, do tempero especial…
Cozinhar parece ser uma tarefa complicada, mas, quando realizada atentamente, talvez seja uma das coisas mais terapêuticas que podemos fazer diariamente. Não é somente um ato de alimentar o corpo. Cozinhar quase sempre tem humor e amor embutidos, transmite uma mensagem. Preparamos uma comida picante em um dia monótono. Quem nunca se deparou em como grelhar uma posta de peixe e lembrou que sua mãe só colocava limão, pimenta e sal e ficava delicioso? Quando estamos doentes de corpo e de alma, fazemos uma sopa. Essas comidas especiais nos conectam a antigas lembranças e a aquilo que já fomos e que ficou no esquecimento. Preparar uma alimentação é algo meditativo. Ao picar legumes nos focamos em uma só coisa. A cozinha fica quente, há o cheiro do forno, o som do caldo borbulhando, o perfume delicioso do alho e da cebola fritando. E assim, entendemos o quanto coisas pequenas e baratas, como maçãs frescas, uma tangerina ou a manteiga derretendo, contribuem para nossa felicidade.
Na maior parte das vezes, cozinhamos para os outros e esse ato é uma das expressões mais simples e mais profundas de amor. Ele nos lembra de quem realmente é importante, de quem deveríamos cuidar mais. O ato de cozinhar nos oferece algo espiritual: um ritual do qual esquecemos que precisamos agora, nesse momento de incertezas. O ato de cozinhar marca as mudanças das estações do ano, nos ajuda a conversar conosco mesmo e com os outros e a compartilhar emoções. Agora é o momento de buscar formas de substituir as refeições coreografadas que fazíamos no ato mecânico do dia a dia e antes da pandemia, por novos rituais. O ato de cozinhar, para muitos, deixou de ser apenas mais uma tarefa a executar antes de ir dormir, quando preparávamos a refeição do dia seguinte. Hoje, o nosso tempo na cozinha está nos ajudando a refletir sobre o dia, sobre a nossa vida, fazendo a reconexão com nós mesmos. Preparar nossas refeições não deve ser apenas a ação necessária para dar a sustentação necessária ao nosso corpo, mas também alimentar nossa alma.
E você? Como está se virando na cozinha durante essa pandemia? Pode deixar registrado nos comentários, se quiser.
Ótimo texto – “(…) cozinhamos para os outros e esse ato é uma das expressões mais simples e mais profundas de amor (…)”. Como me sinto um privilegiado. !!!
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Comentário por Carlos — setembro 29, 2020 @ 12:22 |
Boa tarde!
Paz, foco, energia e fé na vida e naquilo que virá.🙏
Abraços,
Augusto
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Comentário por Augusto Jeronimo Martini — setembro 29, 2020 @ 13:43 |