A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

setembro 22, 2019

As ervas medicinais e os dons de meu pai como erveiro

Em homenagem ao Dia da Árvore, ao meu pai, e à natureza!

Quem já passou pelo “A Simplicidade das Coisas” conhece minhas origens, a história de minha família, toda ligada com a imigração italiana do final do século XIX e minha identidade e paixão pela natureza, grande parte dela herdada de meu pai, Antonio Martini, que congregava saberes sobre centenas de plantas medicinais. O trabalho com as ervas medicinais tradicionais era um de seus objetivos de vida. Sua história foi registrada desde sempre pelo convívio com as pessoas mais velhas e mais velhos bebendo desses aprendizados nos sítios e fazendas onde nasceu, cresceu e viveu grande parte de sua existência.

Meu pai, Antonio, com o xará dele, o Tony – quando dei esse nome ao cão foi o maior blá-blá-blá lá em casa!

A mais clara lembrança de infância que tenho é de um quintal sempre florido e onde não havia uma flor ou planta que não servisse como remédio. Era uma cultura  tradicional que destacava a importância da aliança entre a ciência e o saber tradicional. Hoje penso que devemos cobrar a maior valorização para os erveiros que tanto contribuem para a saúde e o registro dos saberes ancestrais.

Meus bisavós que foram imigrantes italianos, meus avós, meus pais e também eu, cresci em quintais medicinais, onde aprendi desde cedo a importância do remédio plantado na porta de casa – nunca me distanciei deste conhecimento ancestral e nem pretendo.

Lembro-me claramente de aos finais de semana meu pai convidando-me a ir com ele nas matas do Horto Florestal (hoje Floresta Estadual Edmundo Navarro) para buscar alguma erva encomendada por um vizinho ou para pescar no Ribeirão Claro, quando ainda não era poluído. E, pelo caminho dizia: “isso é Barba Timão, isso é Taióba, isso é Ipê Roxo, isso é Pau Ferro, aquela é Cedro, aquela outra Cabreúva, madeira boa para fazer cabos para ferramentas, aquele que você chama de coquinho é a Palmeira Jerivá”…

Para mim não houve uma transição para o caminho das ervas medicinais. Foi muito natural, porque sempre tive convívio com pessoas mais velhas que me passavam seus conhecimentos quando viam minha curiosidade acerca do assunto. Sempre gostei de tomar remédios de mato. Convivi desde novo com a minha avó que me passou muitos conhecimentos. Como afirmei acima, meu pai sempre foi muito procurado no bairro por conta de seus conhecimentos como mateiro. Alguns vizinhos e parentes o procuravam para indicações. E ele sabia onde tinha um arbusto, uma semente, uma casca e lá ia ele buscar para atender uma pessoa cuja ferida não cicatrizava ou cuja dor ou coceira não passava.

Seus conhecimentos não foram adquiridos com estudos em livros ou cursos. Foram passados de geração para geração.

Nosso quintal era uma espécie de ervário, onde os vizinhos e parentes vinham buscar “um mato” para determinados problemas de saúde e às vezes traziam mudas também. O principal objetivo era servir esses conhecidos na busca de alívio para os males de saúde. Nosso quintal era um local de referência para muitos que ainda acreditavam na cura natural.

A agroecologia, palavra muito em destaque hoje, não era conhecida pelo meu pai e nem por pessoa alguma naquela época, mas ele cultivava a terra dentro da visão da agroecologia. Nosso quintal sempre estava em perfeita harmonia com a maneira tradicional de se cultivar em conjunto com os ciclos da natureza, o respeito com a recuperação do solo (pousio) e a forma orgânica de plantio. As ervas, verduras e legumes plantadas por meu pai eram adubadas com insumos naturais – esterco de animais ou compostagem, não precisávamos fazer controle de pragas, pois o cultivo de várias espécies proporcionava o equilíbrio. Tínhamos sempre um pequeno mandiocal no meio das ervas, bananeiras, laranjeiras, mamoeiros, todos convivendo em total harmonia.

Os benefícios de um quintal medicinal em casa são muitos. Às vezes você está ansioso e um chá de capim limão resolve, uma gripe – um xarope de guaco combate, sem maiores efeitos colaterais e assim por diante. Não estou retirando a importância dos exames, dos médicos, mas ter ervas no quintal para resolver problemas de saúde é de grande valor.

Meu pai desenvolvia um trabalho pequeno, mas que ajudava muitas pessoas. E nossa família sempre gozou dos benefícios da alimentação natural, das verduras e legumes plantados e colhidos no quintal, da promoção da saúde através das ervas.  

Se meu pai pudesse ser comparado com algum Orixá, seria Ossaim, bastante cultuado no Brasil, recebendo diversos nomes como Ossânin, Ossonhe, Ossãe e Ossanha, uma das formas mais populares. Ele é um Orixá masculino de origem nagô, Iorubá que, como Oxóssi, habita a floresta.

Por causa do som feminino do nome é frequentemente confundido como figura  feminina, mas é um Orixá masculino, o sabedor das ervas.  Sua cor é verde, com contato íntimo com a natureza. As áreas consagradas a ele não são os jardins cultuados de maneira tradicional,  mas sim os recantos, onde só os sacerdotes podem entrar, nos quais as plantas crescem de maneira selvagem, quase sem controle.

Ossaim é originalmente dono dos segredos da natureza, patrono da farmácia, dos sacerdotes, químicos que usam plantas para fins curativos. Protetor dos vegetais. É  um mago, cheio do espírito da aventura, autoconfiança e força de vontade. Mestre da tranquilidade e da resistência. Como meu pai.

Tenho certeza que meu pai tinha o seu trabalho reconhecido e valorizado pelas pessoas próxima dele, como um sacerdote. E se hoje conheço árvores, plantas medicinais, o canto dos pássaros, se consigo ouvir os sons da natureza em meio da selva de pedra que é São Paulo, devo isso para ele!

O post de hoje é inteiramente dedicado para ele. Resolvi escrevê-lo logo cedo, pois, ao abrir a janela do apartamento a sala foi invadida pelo canto de um Sabiá Laranjeira, moradora aqui na Praça da República, cujo canto traz o prenúncio da Primavera e o seu canto de amor ao acasalamento.

É. Já é setembro, mas não acaba esse clima seco – quente de dia, frio e seco de madrugada. Os ipês amarelos estão florescendo pelas praças de São Paulo. O alvorecer se torna mais belo, como também é mais belo o pôr do sol. Enfim, agora, o canto divino do sabiá Laranjeira, a anunciar a chegada da Primavera. É prenúncio de chuva? Talvez, ainda não. Mas traz uma paz para o meu coração, uma inspiração poética para escrever sobre os dons de meu pai e a bela canção de Tom Jobim e Chico Buarque, vencedora do Festival Internacional da Canção, de 1968, na voz inesquecível de Elis Regina, que diz, com seu sorriso largo e claro: “Vou voltar, sei que ainda vou voltar…”

Sabiá

Tom Jobim e Chico Buarque

Voz: Elis Regina

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor

Talvez possa espantar
As noites que eu não queira
E anunciar o dia

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer

Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar


2 Comentários »

  1. Augusto
    Adoro ler suas histórias. Acho que você poderia reuni -las num livro. Pense nisso! Abraço.
    Você mora no meu coração!

    Curtir

    Comentário por Lilia Maria Dietrich Bertini — setembro 23, 2019 @ 18:57 | Responder

    • Oi Lilia. Obrigado. Quem sabe mais para frente tenho ânimo para editar meu segundo livro!

      Curtir

      Comentário por Augusto Martini — setembro 23, 2019 @ 19:17 | Responder


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