A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

maio 14, 2019

Para ser médico é preciso gostar de gente!

Sou servidor público e até uns anos passados pagava um plano de saúde. Quando a gente vai ficando com mais idade esses planos ficam absurdamente caros e deixei de paga-lo. Hoje tenho somente o plano de saúde do IAMSPE – Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, que oferece atendimento a 1,3 milhão de usuários por meio de uma rede própria e credenciada distribuída em 173 municípios do Estado.
São 80 hospitais, além do hospital próprio de alta complexidade, o Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), instalado na Capital e onde procuro atendimento. Ele é o maior hospital da rede IAMSPE – possui 721 leitos, 949 médicos, 2.020 profissionais de enfermagem e oferece atendimento de alta complexidade em 51 especialidades médicas. Então já dá para entender quando escrevi acima o “procuro atendimento”, não é? É um verdadeiro calvário conseguir consulta em alguma especialidade no Hospital. E quando o servidor consegue e precisa de retorno, é um transtorno. O médico pede que o paciente retorne em 30, 60 ou 90 dias. E você, a duras penas, consegue marcar esse retorno para 6 meses ou mais.

Dos profissionais médicos não tenho o que reclamar. São ótimos. Em anos passei por poucas consultas. Mas todos foram excelentes. E claro. Existem médicos mais atenciosos e outros que são mais diretos.
Isso é comum com os especialistas de convênios e serviços públicos, que precisam atender um número determinado de pacientes diariamente, num intervalo de tempo relativamente curto. Não existe uma duração pré-determinada para a anamnese (entrevista), mas uma coisa é certa: é um pouco difícil realizá-la com eficiência em cinco minutos.

Pensando nisso, resolvi reproduzir aqui um texto que li no facebook atribuído a Alice Mendes Moura estagiária da Faculdade de Medicina da UFMG e em atendimento Curimataí que é um distrito do município brasileiro de Buenópolis, no interior do estado de Minas Gerais, cuja população é pouco maior que 2 mil habitantes.

Aí alguns leitores poderão dizer: “ah, mas um atendimento assim só é possível em um lugar bem pequeno!”

E posso afirmar que não. No Hospital do Servidor Público aqui de São Paulo há profissionais tão atenciosos, amorosos e capacitados, que tornam-se exemplos para seus pares. E viram amigos de seus pacientes. Conheço alguns assim e posso citar dois deles: Dr. Caio Rosenthal, Infectologista e Dr. Roberto Della Torre dos Santos, Ortopedista e Cirurgião de mãos, aos quais tenho verdadeira admiração e carinho.

E fora do “Servidor” também há muitos outros, dignos de carinhos e homenagens. Como a Dra. Juliana Ferreira Lobo da Silva – médica e amiga que hoje trabalha em Sinop, Mato Grosso. E tantos outros.
Segue o texto citado acima.

Atendimento na Zona Rural, Curimataí 💙

Por Alice Mendes Moura

-Pode entrar seu H. Meu nome é Alice. Sou estagiária da Medicina UFMG.
-“Esta” o quê?
-Estagiária. Quer dizer que tô estudando pra ser médica.
-E falta muito ou acaba logo?
-Acaba logo! No fim do ano! O senhor tá com quantos anos mesmo?
-Acho que tô com 80…
-Ixi, o senhor perdeu as contas aí?
-Eu esqueci… Tô com a cabeça meio ruim.
-E no que eu posso te ajudar?
-Tô com dor nas cadeiras. Quero injeção pra passar.
– O senhor pode me mostrar onde é que dói?

Ele coloca as mãos espalmadas na coluna lombar.

-Tem muito tempo que tá sentindo essa dor?
-Já vai fazer um ano. Eu venho aqui, tomo a injeção e ela passa. Mas volta uns dias depois. Aí sempre que tem médico aqui, eu tô vindo.
-E não tá tomando nenhum remédio em casa?
-Tô não. Gosto disso não. Tomo muito é chá!

Pergunto sobre as características da dor. Excluo os sinais de alarme da lombalgia. Faço os testes para acometimento nervoso. Tudo indica que se trata de uma lombalgia mecânica.

-O senhor tem algum problema de saúde?
-Que eu tô sabendo, tenho não…
-Tem doença de Chagas?
-O quê?
-Do barbeiro. O Machado Guerreiro…
-Ah! O Machado! Tenho não… Já fiz teste já.
-E o senhor trabalha pesado?
-Hoje mais não. Mas trabalhei muito na lavoura, plantação de café. Era trabalho demais, eu não parava nem pra beber água. Também já trabalhei de pedreiro, de carpinteiro… Já construí muito hospital, muito prédio bonito… Mas quase nunca entrei em um.
-E hoje em dia, o que é que o senhor faz?
-Hoje em dia eu tô em casa… Minha mulher morreu. Fico sozinho. E também com essa dor nas pernas não tem jeito de fazer nada não.
-E o que é que o senhor gosta de fazer?

E os olhos enchem de lágrimas. Eu logo penso que preciso parar de fazer os pacientes chorarem. Mas se tem como desabafar e pôr a dor pra fora, ao fim e a cabo, é melhor do que deixar pesando do lado de dentro.

-A minha vida era a Folia de Reis. Eu era Mestre da Folia! Tocava sanfona!
-Olha só, que incrível! Eu adoro Folia! Lá em casa, em Sete Lagoas, tinha todo ano quando eu era criança!
-Ah! Conheço Sete Lagoas! Já fui muito lá! E em outros lugares com a Folia. Mas essas coluna doendo, o peso nas pernas… Nem consigo carregar a sanfona, é muito pesado.
-E quem te ensinou a tocar?
-Uai, eu que aprendi sozinho!
-Oh, que bacana! Eu trouxe um violão pra cá. Arranho umas músicas nele. Mas acho difícil…
-Né não, boba. Difícil é colocar uma letra atrás da outra, encher uma folha aí que nem cê tá fazendo…
-O senhor não sabe escrever?
-Sei não.
-E ler?

-Muito pouco… Mas hoje em dia nem vistas pra aprender tenho mais não. Eu toco violão também! Lá em casa tenho violão, viola caipira, acordeon, zabumba, tambor.
-Tem a Folia de Reis montada então!
-É… Era… Mas agora essa coluna assim… Tá doendo mesmo.
-Se eu tô entendendo, essa dor tá te atrapalhando demais, né?
-É… Atrapalha a música…
E ele volta a chorar
-Tem também a andança… Eu andava isso aqui tudo, na beira do rio [Curimataí]. E pescava. Agora não posso. Mas a gente vai ficando velho e tem que parar de fazer as coisas mesmo.

-Uai, seu H. Nada disso! Tem que parar de fazer o que gosta não! Senão a vida da gente murcha! A gente vai ficando triste, triste e dá até doença de tristeza.
-É, eu ando muito amuado mesmo…
-Então… Temos que cuidar da dor da coluna… E dessa tristeza também. No fim das contas um tá junto do outro, né? Se piora um, piora o outro também.
-É verdade. Agora que cê falou eu reparei isso mesmo!
-Então vou fazer as receitas pro senhor tá? Vou colorir nas caixinhas aqui. Botar sol e lua pro senhor saber se toma de dia ou se toma de noite.
-Ah!!! Assim é bom! Assim fica mais fácil!
– Que bom! E vou marcar pro senhor voltar também. Quero te ver de novo! Às vezes tem tristeza muito grande que a gente usa remédio pra ajudar também… Mas vamos dar um tempo pra dor na coluna passar e aí o senhor me conta como ficou. Pode ser?
-Uai, se você achar bom eu acho bom também!
-Ah… Eu gosto mais quando a gente acha bom junto. Ou se um acha bom e o outro não gosta, a gente conversa até se entender. Melhor, né?
-Uai, é mesmo né? Juntando dois é melhor!
-E o senhor quer voltar?
-Quero! Eu acho bom também!
-Então tá combinado! Leva aqui o papelzinho que vão marcar pro senhor voltar, tá bom? E tem aí pra fazer uma injeção pra dor também! Passa lá na moça que te atendeu antes de mim, que ela faz!
-Tá bom! Até as vistas!
-Até! Vai com Deus!
-Com Deus também, minha filha!
Ele para na porta, volta e pergunta baixinho:
-Será que eu vou poder mesmo voltar a tocar sanfona?
-Se Deus quiser volta sim! Vamos tratando direitinho e conversando, tá bom?
-Então tá! Então tchau! Quando eu voltar vou trazer manga!
-Eba! Vai com Deus!

❤

(Se saúde não é fazer o que gosta, o que faz a gente feliz, eu não sei mais o que é )

Leia também:

https://asimplicidadedascoisas.wordpress.com/2018/04/02/reciclagem-de-lixo-urbano/

https://asimplicidadedascoisas.wordpress.com/2014/03/20/lembrancas-de-minha-vida-e-de-meu-pai/

https://asimplicidadedascoisas.wordpress.com/2017/03/11/lembrancas-saudades-e-cheiros-de-infanciaparte-2/

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