A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

julho 2, 2017

Vila Maria Zélia – um tesouro no centro de São Paulo

Post publicado originalmente em 11/01/2014

A Vila Operária Maria Zélia, foi construída para ser uma pequena cidade. Foram feitas 220 casas, com duas escolas, uma para meninas e outra para os meninos, ambulatório e serviço odontológico, uma praça principal com uma igreja ladeada por dois prédios idênticos, onde funcionavam o comércio, com farmácia, açougue, sapataria, armazém, salão de festas, e um clube, com um campo de futebol. Foi a primeira vila operária a ter uma creche para os filhos dos operários.

Moro em São Paulo há 11 anos, mas, sempre mantenho meu pé no interior do estado, onde nasci. Aqui na capital, procurei um apartamento que tivesse “cara” de casa. Hoje, vivo nesse apartamento que tem até uma pequena área externa, o que é um privilégio para quem mora na capital.

O inconveniente – pagar condomínio! Assim, de uns tempos para cá estou procurando um sobrado ou casa para possível  troca.

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E lembrei  que há algum tempo, o Luiz e o Fabrício, amigos aqui da capital, me convidaram para assistir uma peça de teatro  que seria encenada em um  armazém de uma antiga vila de operários.  Cheguei, junto com eles, na Vila Maria Zélia. Fomos assistir a uma peça chamada “Hygiene”, apresentada no antigo armazém geral da Vila, escrita, concebida, dirigida e encenada pelo Grupo XIX de Teatro, que transforma praças, cadeias, hospitais, passagens subterrâneas, em “salas de teatro”.

Fiquei encantado. A Igreja, bem em frente, é simples, pequena e singela. As pequenas casas de inspiração europeia, infelizmente abrasileiradas no acabamento das fechadas, convivem em perfeita harmonia. Não há disparidades. Nada é ofensivo. Não há miséria, mas também não há ostentação.

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Maria Zélia Street

No final da vila, um pequeno clube, com churrasqueira, quadra, campo de futebol e mesinhas para jogos de cartas ou dominó. O clima de interior é reforçado pelas hortaliças cultivadas em um canteiro, pelas crianças andando de bicicletas e pelos gatos perambulando nas ruas.

A sensação é de estar em uma cidade cenográfica. Moradores disseram que é sempre utilizada para comerciais, novelas e longas-metragens, como o filme O Corinthiano (1966), com Mazzaropi.

Como a Vila Maria Zélia, São Paulo possui inúmeras vilas antigas espalhadas por vários pontos da cidade. Boa parte delas foram construídas por industriais, que optavam por fornecer moradias decentes aos seus funcionários próximas às fábricas.

Inaugurada em 1917, a Vila Maria Zélia começou a ser construída em 1912, pelo médico e industrial Jorge Street, para abrigar os 2500 funcionários que trabalhavam na filial do Belenzinho da poderosa tecelagem Cia. Nacional de Tecidos da Juta. A sede da fábrica estava localizada nas imediações da Rua Gabriel Piza, no bairro Santana.

A matriz era um sucesso, com funcionários trabalhando em tempo integral e a fábrica produzindo a todo vapor, inclusive em capacidade máxima, o que levou o empresário a ampliar suas instalações, optando por uma região como o Belenzinho que já recebia muitas indústrias.

O terreno escolhido foi comprado do Coronel Fortunato Goulart, um grande proprietário de terras da região e sua extensão ia desde a atual Avenida Celso Garcia,  até às margens do Rio Tietê.

Para projetar a nova vila operária, Jorge Street sempre preocupado com o bem estar de seus funcionários, procurou na Europa um arquiteto que pudesse colocar na prática a sua ideia de instalações dignas e compatíveis com a sua visão de justiça social. Foi ai que a escolha recaiu para o francês Paul Pedraurrieux.

Pedraurrieux optou por inspirar-se nas vilas estrangeiras que estavam sendo construídas naquelas primeiras décadas do século 20, cuja inspiração não estava somente no plano de ruas, mas também presente nas edificações residenciais, escolas, e nos estabelecimentos comerciais.

Seu projeto era uma autêntica miniatura de cidade europeia dentro de São Paulo, como se fosse um bairro à parte do Belenzinho. Foi construída ali uma capela, dois armazéns, duas escolas (uma para meninos e outra para meninas), um coreto, praça, campo de prática esportiva, salão de festas e ainda ambulatórios e consultórios médicos, avanços que não poderiam ser vistos nas demais vilas operárias da época.

A inauguração deu-se em 1917, após cinco anos de muito trabalho para deixa-la pronta. Todo o trabalho de Paul Pedraurrieux foi acompanhado de perto por Jorge Street que não queria que nada saísse do plano original. Graças a sua determinação tudo foi feito como o planejado, sem alterações.

A festa de inauguração da vila foi um grande acontecimento não só para Jorge Street, mas para a Cidade de São Paulo. Para a cerimônia de inauguração vieram políticos e industriais de várias partes de São Paulo e o Cardeal Arcebispo de São Paulo Dom Duarte Leopoldo e Silva, que foi o responsável pela missa inaugural, visitando e abençoando todos os cantos da vila, sendo seguido por uma enorme multidão enquanto percorria o local.

A vila foi rapidamente ocupada pelos operários que já trabalhavam na fábrica ao lado, cuja inauguração foi pouco antes. A fábrica era tão grandiosa nos números como sua matriz no bairro de Santana. Em suas instalações destinadas a fiação, tecelagem e estamparia de algodão, a fábrica da Maria Zélia possuía no seu início de 2000 teares e 84 mil fusos, além de cerca de 3000 motores elétricos cujo funcionamento tornava a empresa uma das maiores consumidoras de energia elétrica da capital. Trabalhavam na época 2500 funcionários, que somados aos 3500 de Santana atingiam um total de 6000 funcionários no grupo.

Apesar de todo este crescimento, o empresário acumulou dívidas cujo pagamento começou a se complicar. Para liquidar parte delas, Jorge Street decidiu vender a vila e a fábrica em 1924. Tudo foi comprado pela família Scarpa que ao tomar posse da vila imediatamente optou por mudar o nome do local, que passou então a ser conhecido como Vila Scarpa.

Mesmo não tendo agradado aos operários o novo nome da vila seria mantido durante todo o período que a família Scarpa ficou como proprietária do complexo. Cinco anos depois, em 1929, com a crise financeira que assolou o mundo e o Brasil, a família Scarpa também sofre com dificuldades para pagar algumas hipotecas. E é assim que o Grupo Guinle toma posse do local e reestabelece, tão logo assume a propriedade, o nome original Vila Maria Zélia.

Os grandes problemas da vila começariam na virada dos anos 30, quando devido a débitos fiscais com o Governo Federal a vila e a fábrica são confiscadas pelo IAPI (atual INSS). Após ter passado para o governo, a fábrica é desativada em 1931.

Em 1936, devido a acumulo de dívidas fiscais, a fabrica foi desativada e a Vila que era particular  passou para o Governo Federal através do extinto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários – IAPI, (atualmente INSS), no Estado Novo, criado na ditadura, pelo Presidente do Brasil,  Getúlio Vargas. O prédio principal, onde era a fabrica, torna-se um presidio e ali são aprisionadas todos os que eram contra o governo (os comunistas)  como o historiador, critico de cinema e militante politico, Paulo Emílio Sales Gomes, e o também historiador e politico, Caio Prado Júnior, entre outros. O local foi apelidado de Universidade Maria Zélia, por ter vários catedráticos e historiadores presos.

Ela permaneceria fechada por oito anos até ser comprada em 1939 e reaberta como a Goodyear. Durante estes anos, os moradores puderam permanecer no local sem pagar, já que era procurado um destino para os imóveis residenciais. A partir de 1939 os moradores do local tornaram-se inquilinos, pagando aluguel ao IAPI até o ano de 1968, quando finalmente foram autorizados a comprar os imóveis em que moravam através do sistema BNH.

Os prédios funcionais (as escolas e os armazéns) eles permaneceram (e permanecem até hoje) como propriedade federal do INSS. A capela local é administrada pela Paróquia de São José do Belém. As escolas e o armazém estão abandonados há décadas. A capela tem funcionamento normal.

A Vila se chama Zélia em homenagem à filha do fundador. Nascida em março de 1899, Maria Zélia Street era filha de Jorge Street, que ao todo teve seis filhos. Ela faleceu em 12 de setembro de 1915, quando a vila ainda estava sendo construída. Ao perder a filha, o empresário decidiu batizar a vila com o nome dela. Ela está sepultada no túmulo da família localizado no Cemitério da Consolação.

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Passear pela Vila Maria Zélia nos dias de hoje é um pouco triste. Embora tenha muitos prédios abandonados e que pertencem ao INSS, é visível que muitos dos moradores jamais tiveram qualquer respeito à arquitetura original do local.

São poucas as casas que têm mantidas suas fachadas originais. Quase todas elas foram completamente descaracterizadas, sejam com fachadas irreconhecíveis da forma que eram, ou muros e portões que destoam com a proposta da vila. E ainda,  imóveis que antes eram todos térreos, hoje chegam a possuir mais um ou dois andares.

Os anos em que a vila ficou sem tombamento pelos órgãos de defesa do patrimônio histórico (em 09 de Dezembro de 1992, os órgãos de preservação de nível Estadual e Municipal – CONDEPHAAT e o  CONPRESP, optaram por seu tombamento, em três níveis englobando o traçado urbano, o conjunto de casas e vegetação de porte arbóreo) permitiu que muitos dos moradores descaracterizassem suas residências. E mesmo hoje ainda é possível encontrar algumas casas em obras. Fato é que ainda há construções bastante próximas do original, mas que trocaram a pintura típica da época por cores berrantes ou por texturas de gosto duvidoso.

Os prédios mais originais da vila são aqueles que estão abandonados. Jamais sofreram alterações. Há ainda algumas poucas casas que conservam as características da vila fundada por Jorge Street há quase 1 século atrás. Das 220 casa sobraram 171, além da Igreja e de prédios que abrigavam as escolas e o centro comercial.

Fotos de http://www.saopauloantiga.com.br

 

5 Comentários »

  1. Que lindo, é no passado onde reside as chaves para o futuro! Assim acredito.

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    Comentário por LEOH — janeiro 13, 2014 @ 21:23 | Responder

  2. *residem, desculpe-me.

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    Comentário por LEOH — janeiro 13, 2014 @ 21:24 | Responder

  3. […] leitores do blog A Simplicidadedascoisas – o Grupo XIX de Teatro  que ocupa um espaço na Vila Maria Zélia está precisando de ajuda. Estão lutando para que esse patrimônio histórico e cultural da […]

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    Pingback por Um novo telhado para o Grupo XIX de Teatro! | A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini — fevereiro 19, 2016 @ 17:08 | Responder

  4. […] Fonte: Vila Maria Zélia – um tesouro no centro de São Paulo […]

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    Pingback por Vila Maria Zélia – um tesouro no centro de São Paulo | A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini — julho 2, 2017 @ 20:23 | Responder


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