A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

março 11, 2017

Lembranças, saudades e cheiros de infância…parte 2

Hoje quero recordar as idas e vindas ao sítio de meus avós. Passeios que fazia com meu pai e que aconteciam quase todos em domingos ou feriados.

Íamos de bicicleta. Eram pouco mais de 12 km pela estrada de terra que ligava Rio Claro a Ajapí, distrito rural da cidade. Íamos pela estrada bem devagar, enquanto o cheiro da terra e do mato cortado recentemente, a brisa do vento e o aconchego do sol nos acompanhavam. Eu, na garupa, observava as flores, as árvores. Era uma delícia ouvir o canto dos pássaros e entre o silêncio e o entoar de algumas melodias que meu pai tentava assoviar, a felicidade acompanhava-nos. Não era preciso muito, aliás não era preciso nada, éramos apenas nós os dois e a natureza. E felizes…

pai

Meu pai, Antonio Martini, com minha avó, Virgínia Calore Martini

Não me recordo das palavras que ele falava no caminho. Meu pai era de pouco falar, e falava baixo. Sei que as palavras existiram mas não as tenho na memória. Das canções que ele tocava na sanfona ou dedilhava ao violão, estas sim, lembro-me de todas, faziam parte da história de vida do meu pai e eu gostava das suas histórias – das músicas e dos causos que ele contava. Havia sintonia, entrega, carinho e cumplicidade. Havia amor, mas um amor sereno e tranquilo que ele não demonstrava. Nada era obrigação. Tal e qual as árvores, o vento, o sol, as flores, a terra, os animais…

Várias vezes ele parava pelo caminho. Comíamos bananas, sugávamos laranjas, e observávamos a natureza em nossa volta em toda a sua magnitude e serenidade. Beleza única, capaz de soltar emoções e inspirar o mais comum dos mortais. O sol, as nuvens, as sombras… O silêncio. Era como meditar.

Augusto com 01

Eu, em 1961

A essa altura da vida, eu, com pouco mais de 6 anos, ainda não conhecia a morte de parentes próximos. Ela ainda não tinha entrado na minha vida, e talvez ainda acreditasse na imortalidade.

No banheiro do trem, quase chegando em Paris!

Eu, em 2015

Tudo naqueles passeios, tudo mesmo, era o meu mundo, o meu planeta preferido. Quando chegava a hora de voltar à cidade ficava triste e pensava que voltar, era sim, uma obrigação.

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Meu avô, Primo Martini

Tantas vezes nessas visitas, enquanto o meu pai, tios e avós se ocupavam com os seus interesses, eu corria pelo terreno por perto da casa, pelo terreiro de secar café, deitava-me na grama, fechava os olhos e apenas ficava ali ouvindo o ruído da água que vinha lá de cima do morro e caía na caixa de água, o canto dos pássaros, o vento soprando as folhas…

Também tinha os meus primos com quem brincava de estilingue, jogando mamonas ou pequenas pedras em pássaros.

Minha avó e minha tia Leonor cozinhavam comida de verdade, em panelas de ferro no fogão a lenha. E muitas vezes cheguei a ir com elas, ou com meus primos, levar o almoço para os meus tios que estavam na lavoura, cultivando o campo, plantando arroz, milho, feijão… Chegávamos no local e em muitas vezes estavam lavrando a terra, cantando alguma melodia italiana.

 

luigi martini

Meu bisavô, Cirillo Calore

Ah, e como não lembrar das noites no sítio, com o céu cheio de estrelas. E meu avô dizendo: aquela constelação é tal, lá estão as Três Marias, e ali o Cruzeiro do Sul… E no Inverno, ou em noites de tempestade, o medo aparecia junto a cada trovão e aliviava com a beleza dos relâmpagos. Minha avó nos botava sob a mesa ou dentro do guarda roupas. As panelas brilhantes eram cobertas, assim como os espelhos. À medida que a tempestade se afastava, chegava o cansaço e o sono vinha tranquilo.

Luigi Martini

Meu bisavô, Luigi Martini

 

Foi um privilégio ter tido isso tudo na minha infância. Foi um privilégio crescer no meio da natureza e senti-la como fazendo parte de mim. Foi um privilégio guardar tudo isto na minha memória. É um privilégio abrir a caixinha de memórias sempre que preciso e sentir-me feliz por nada ter desaparecido.

Com o tempo muita coisa mudou, perdi pessoas que amava, perdi espaços onde vivi, mas na verdade não perdi a minha identidade, a minha história, o lugar onde todos os dias me encontro comigo mesmo. Faça chuva ou faça sol, o meu coração está onde a natureza se encontra com a vida humana, esse é o meu espaço de conforto. Há quem diga que a isso dá-se o nome de lembranças. Eu dou o nome de vida!

 

7 Comentários »

  1. EU NÃO SEI ESCREVER COISAS BONITAS ASSIM , MAS ME EMOCIONO TODAS AS VEZES EM QUE LEIO SEUS ARTIGOS , E TENHO MUITA SAUDADES DAQUILO TUDO TBM .. BEIJOS MEU IRMÃO QUERIDO .

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    Comentário por IVONE VERONICA MARTIN CHRISTOFOLETTI . — março 15, 2016 @ 18:23 | Responder

    • Oi Ivone.
      Bom lembrar de nossa infância pobre, muitas vezes sofrida, mas com correção e orgulho, não é?
      Beijos.

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      Comentário por Augusto Martini — março 16, 2016 @ 8:46 | Responder

  2. Que delicadeza essa história de memórias da infância! Uma infância feliz é um bom começo para a vida.

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    Comentário por Rosangela Doin de Almeida — março 15, 2016 @ 20:17 | Responder

    • Bom dia Rosângela!
      Que saudades de você! Quando for para Rio Claro com um pouco de tempo avisarei e combinamos um café!
      Beijos e abraços para você e Adriano.
      Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — março 16, 2016 @ 8:45 | Responder

  3. Lindo saber como foi a sua vida até hoje…Parabéns meu cunhado!

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    Comentário por irany — março 16, 2016 @ 8:40 | Responder


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