Os quintais de minha infância sempre foram cheios de vida. Flores, borboletas, passáros, verduras legumes e frutas.
A minha mãe tinha muito orgulho do jardim, uma vaidade que não escondia e que crescia quando vizinhos e parentes o elogiavam. Idem para a horta que meu pai cultivava no fundo do quintal.
As flores que minha mãe cultivava eram como se pertencessem às joias da coroa – meio que impossíveis de toca-las. E é bem no fundo de minha memória que ficam guardados os perfumes e cores do jardim da minha infância. Exuberante, cheio de recantos e flores de várias espécies. Tinha até uma cerquinha de madeira para não ser pisoteado ou invadido pelos cães da casa.
Nosso quintal era um bom lugar para brincar, pois a graça daqueles canteiros, da mistura de laranjeiras e roseiras, ameixeiras e margaridas estava nessa junção de jardim com pomar – um viveiro de flores a fazer fronteira com a horta. Um pouco adiante, em canteiros cercados por uma paredinha de terra ou tijolos, o meu pai semeava alfaces, rúculas, almeirões e tomates. Havia sempre no quintal um vigoroso pé de alecrim, outro de capim cidreira, poejos, hortelã, e tudo quanto era ervas para chás e unguentos.
Quando a Primavera eclodia era impossível não reparar. Os ramos secos dos pés de ameixas, laranjas, limões cobriam-se de branco e sentia-se um efusivo cheiro a flores de laranjeiras misturado com o aroma das outras flores. Os dentes de leão, preparados para a floração, as flores do papai (Kalanchoe) as dálias e palmas em rosa forte, brancas ou amarelas e a certeza de que a Natureza regressava.
Vizinhos vinham pedir um maço de margaridas ou outras flores, mas não sabiam o trabalho que dava trazer o esplendor das flores a um jardim, o carinho necessário e o tempo para regar, dispor e semear. Aquele fulgor de rosas, cravos, dálias, crisântemos e mais o que houvesse exigia rigor. Tinha a época e a lua certa para podar as rosas; pela época da Páscoa, em lua boa, semeavam-se algumas hortaliças. Com terra vegetal e esterco de galinhas ou vacas, recolhidos em sacos grandes que muitas vezes vinham do sítio de meus tios, fazia-se a adubação. Minha mãe dizia que era por causa da terra que estava fraca e para as flores, dizia ela sorridente – porque das flores gostava com paixão.
E essa paixão correspondia-lhe a cada mês da florada de rosas, a cada agosto dos kalanchoes, a cada maio das flores de maio, a cada julho dos olhos de boneca, e assim uma espécie ou mais a cada mês do ano. Delicadas, bonitas ou sofisticadas, a minha mãe conhecia-lhes as manias, os truques, o que as fazia florir e o que as podia matar. Protegia-as da chuva, do sol, do granizo e, quando podia, também as vendia para um vizinho que as queria comprar. Poucas, porque o amor não se negoceia e ao coração da minha mãe bastava o espanto dos amigos e vizinhos, que paravam, queriam entrar no quintal para as ver, para sentir a glória e o esplendor a cada Primavera.
Hoje o antigo quintal de meus pais está cimentado. As flores não estão mais por lá para florir, e as árvores frutíferas também lá não estão para exibir os seus tons de verdes.
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Comentário por anisioluiz2008 — agosto 28, 2016 @ 19:17 |