A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

março 8, 2016

As flores do jardim de minha Avó

No início dos anos 70, com a nossa vida guardada em caixas, fomos levados a desbravar um local desconhecido. Começou ali a descoberta de um mundo novo para mim e para minhas duas irmãs e minha prima Cida, a qual morava conosco.

Quando fomos morar na Vila Nova, em nossa primeira casa própria, tínhamos um terreno vizinho que pertencia ao meu avô, Primo Martini. E nele foi construída a casa que tempos depois viriam morar ele, minha avó e meu tio Pedro.

Vo1

 

Logo fiz muitas amizades. Todas as brincadeiras comuns giravam em torno de “brincadeiras de meninos”: índios, soltar pipas, esconde-esconde. Caçávamos besouros, ninhos de pássaros em meio ao mato baixo dos terrenos baldios, içás e gafanhotos aos quais arrancávamos as asas para não fugirem. Maldades de criança. Deus perdoa!

Minhas irmãs e a Cida foram fazer um curso de corte e costura na Igreja de Nossa Senhora Aparecida. O curso era ministrado por D. Mafalda. Elas ficavam enlouquecidas por meu pai não deixar que usassem as pantalonas (calças compridas de boca de sino). Nem podiam usar esmalte ou batom. Coisas da época.

Vo3

 

Nosso quintal era bem grande e juntando com o de minha avó, em minha visão de menino era gigante. Um bom tanto dele era destinado ao jardim da minha avó. Plantava flores da época. Rosas, dálias, margaridas… A minha avó Virgínia tinha o jardim mais bonito do mundo. Nem conseguiria dizer a quantidade de flores e borboletas que povoavam aquele pedaço de terra cheio de aromas! As rosas de várias cores, as Amarílis, com flores cor-de-rosa ou vermelhas, enormes. Os lírios brancos de perfume doce, as Palmas, uma mais linda que a outra. Os Kalanchoes nas cores laranja ou vermelho, que também eram chamados de Flor do Papai. As hortênsias, os capitães, as Flores de São Miguel, com a qual brincávamos de girá-las, feito helicóptero…

Flor-de-São-Miguel1

Flor de São Miguel

 

Lembro-me de umas flores que me fascinavam em particular: as margaridas, de várias cores. Minha avó as cultivava desde a semente, as plantava e depois as replantava em grandes canteiros. E sobre elas esvoaçavam dezenas de borboletas das cores mais variadas, que apesar de visitarem todas as outras flores do jardim, se concentravam às dezenas nas margaridas!

Vó virgínia

 

Eu… fechava os olhos… e absorvia todas as cores, todos os cheiros, todas as sensações daquele pequeno paraíso que era o jardim da minha avó. Obviamente que tudo isto parecia muito estranho aos olhos do meu pai – um menino que gostava de flores! Mas com a avó Virgínia era diferente. Falávamos a mesma língua, sentíamos os mesmos cheiros e sensações e eu via nos olhos dela a alegria e o amor que dedicava a cada flor daquele jardim – que, acredito, fosse também o seu paraíso – e que hoje o continua cultivando nos jardins do céu.

Ela o cultivava com tanto carinho – desde um simples entrelaçar de galhos da Flor de São Miguel ou apenas o arrancar de uma folha velha de qualquer outra planta. A minha avó amava o seu jardim e eu amava-a a ela. Amava as suas “mãos verdes”, pois tudo quanto plantava ou cuidava ganhava uma nova vida, tal como eu.

Que me lembre, nunca cheguei a oferecer à minha avó um buquê de flores, desses comprados. Às vezes apanhava uma ou outra flor que encontrava no mato para mostrar a ela. Seu pequeno altar sempre tinha as flores do quintal, as quais somente a ela era permitido apanhar. Para retirar algo dali tinha que ter sua permissão.

E lá, em seu quintal, naquele espaço de terra, sua comunicação sempre foi com as flores, mesmo depois de ter quebrado o fêmur por duas vezes. As plantas sempre recebiam as suas visitas, mesmo apoiando-se em um andador.

Vo2

Quero acreditar que em cada lágrima que desliza dos meus olhos quando me lembro dela com carinho, ou quando os medos e as dúvidas me assaltam em alguns dias, ela está sempre presente. Ela envia-me um sinal e eu renasço. E sei que pelos caminhos que trilho aqui nessa selva de concreto que é São Paulo, quando estou confuso ou meio perdido, as borboletas que me indicam o caminho são do jardim da minha avó Virgínia.

6 Comentários »

  1. Augusto, gostei de seu texto e das fotos… que fotos!

    Minha dissertação de mestrado é sobre jardins que talvez tenham semelhanças com o de sua avó… e com seu texto, que é sobre memória…

    O título é “Jardins de mistura: imagens e memórias”, jardins que ainda encontramos em casas humildes, ou não, onde plantas lembram pessoas, onde objetos são transformados, mudam de função (a calota de carro que vira prato de vaso…), onde permanecem sentidos milenares para certas plantas, que vieram de outros continentes, de outras culturas (a simpatia de fim de ano da romã… a arruda…)…

    Eu escolhi três desses jardins em Rio Claro e conversei com as mulheres que os criaram e deles cuidam…

    Aqui está o link para download:

    http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000412626

    Curtido por 1 pessoa

    Comentário por Adriano Picarelli — março 8, 2016 @ 14:45 | Responder

    • Oi Adriano. Sim, o jardim de minha avó – e seus vasos adaptados (chaleiras, panelas, caldeirões, entre outros objetos), suas flores e folhagens, algumas vindas como “heranças” de família (avencas!), tinha muita semelhança com os jardins de sua dissertação de mestrado. Um grande abraço. Vou ler sua dissertação! Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — março 8, 2016 @ 15:22 | Responder

  2. QUE LINDA , MINHA AVÓ VIRGINIA !!!! NUNCA ME ESQUEÇO DELA E SOU MUITO GRATA POR TE-LA NA MINHA VIDA !!!! SE EU PUDESSE ESCOLHER , QUERIA DUAS VEZES A SENHORA NA MINHA VIDA !!! BJOS NO SEU CORAÇÃO PELO DIA DA MULHER .

    Curtido por 1 pessoa

    Comentário por IVONE VERONICA MARTIN CHRISTOFOLETTI . — março 8, 2016 @ 15:58 | Responder

  3. Querido Augusto,
    Sempre leio seus textos, sou encantada pelos teus escritos e, sempre me emociono além da conta talvez, porque você traz memórias vivas, com as quais eu também vivi em um período de minha vida.
    Sua vovó Vírginia, certamente, está bem presente na sustentação e proteção também a você porque o que nos liga uns aos outros, é o amor! Simples assim, mesmo que tenhamos roupagens diferenciadas de um lado e outro da vida.
    És vinho de boa safra, meu amigo!!!
    Que família linda a sua…
    Saudoso abraço a você.
    Hozana

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    Comentário por Hozana Rivello Alves — março 9, 2016 @ 0:20 | Responder

    • Bom dia minha querida amiga! Saudades de nossas reuniões de coordenação do DEF. Grande abraço para você e em breve espero poder reencontrá-la. Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — março 9, 2016 @ 8:13 | Responder

  4. Minha vizinha planta todo ano um canteiro da rainha margarida, vim procurar sobre essa flor na Internet e me deparo com sua crônica. Quantas lembranças lindas vieram até mim através de suas memórias.

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    Comentário por simone paes alece — janeiro 6, 2022 @ 12:45 | Responder


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