A casa em que vivi grande parte da minha infância era uma propriedade alugada. Ficava na rua M-1-A, na Vila Martins, bem em frente onde hoje está a E.E. Prof. João Batista Leme. Ela não tinha laje, o forro de madeira existia somente na sala, e o chão da cozinha era de tijolos. Na frente estavam sendo retirados os trilhos da Maria Fumaça – a antiga estrada de ferro que ligava Rio Claro a Corumbataí. E nos fundos tinha os trilhos da estrada de ferro da Companhia Paulista.

Eu, com quase dois anos
A casa era repleta de cheiros. Em épocas como essa, setembro, que antecede a primavera, vinha o cheiro das Jabuticabeiras que habitavam os quintais. E o zunido forte das abelhas e zangões. Dentro da casa tinha o cheiro do pão quentinho saindo do forno, do doce de abóbora com coco, do feijão, do arroz, do molho de macarrão que minha mãe mesmo fazia. Penso que para todos a cozinha sempre é um lugar marcante para a família. Ali, em volta do fogão de lenha, feito de cimento queimado em um vermelho bem escuro e polido – e assim também era o chão da sala e dos quartos – refletia as cores do fogo da lenha. E do fogo também emanavam cheiros. Dependia do tipo da lenha que se queimava. Volta e meia meu pai subia ao telhado para desentupir a chaminé. Passava uma “tocha” de pano que ficava presa na ponta de uma vara de bambu. Ah, que sabor bom tinha tudo que era feito ali naquela cozinha! Me lembro que ficava ansioso ali do lado esperando terminar o doce de leite com coco. E esse só era feito quando sobrava o leite e quando tinha dinheiro para comprar coco ralado. Em época de milho, a cozinha virava festa com toda a família reunida para preparar o curau e bolo de milho e à noite, o milho assado na brasa da lenha. Milho assado! Esse é um dos cheiros da minha infância.
Na cozinha de minha mãe quase tudo era artesanal – a manteiga que ela batia na mão, os pães, os doces. Nos fundos da casa havia uma horta e pés de algumas frutíferas. No corredor do lado haviam flores – pés de Dália, Rainha Margarida, dentes de leão. E a horta era um local meio proibido para mim e minhas irmãs. A gente podia entrar para molhar as verduras quando minha mãe pedia, mas não podíamos mexer em nada. A colheita era feita por meu pai ou minha mãe. Muitas vezes entrávamos no cercado. Chupávamos laranjas que estavam “de vez”, tudo bem escondido. Mas o cheiro nos denunciava.
Foi no ambiente dessa casa que fiz minhas primeiras amizades. Que a Cida, minha prima, quase irmã, veio do sítio para morar e estudar, que ouvi muitas estórias curiosas de fantasmas e lobisomens. Que li meus primeiros gibis. Tio Patinhas, Turma da Mônica, super heróis.
Eu e meus amigos vivíamos em grupos. E assim era também com as outras crianças do bairro. Grupos e um líder. As brincadeiras eram de polícia ladrão, rodar pneus, balançar nas cordas amarradas nos Flamboyants da rua, futebol (que nunca gostei!).
Qualquer dia escrevo sobre a festa de início de ano, que reunia todos da família. Meu avô paterno, Primo Martini, nasceu em 01 de janeiro e esse era o único dia do ano que tomávamos refrigerante – uma garrafa para cada criança com a tampa furada com um prego. Tomávamos “no bico”, para durar mais. Subíamos em uma mangueira que ficava ao lado da casa. E nela também haviam balanços. Era uma delícia! Depois dessa época nunca mais conseguimos reunir toda a família. Mas para mim e meus primos tenho a plena certeza que esta foi a época mais encantadora de nossas vidas. Sempre que conversamos lembramos com muitas saudades esse tempo da nossa infância simples, pobre, deliciosa e que não volta mais.
Sabem, penso que sou um privilegiado por ter vivido minha infância dessa forma. Acho que vem daí o valor pelas coisas simples carrego comigo, que levo para meus relacionamentos com os poucos e verdadeiros amigos que tenho e que também aplico em meu trabalho.
[…] Explico – era artigo de luxo! Tomei algumas poucas Tubaínas (desta vou falar mais adiante) na casa da Tia Nica, uma vizinha, ou nas festas de aniversário de meu avô, Primo Martini, que fazia anos em 01 de […]
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Pingback por Lembranças de minha infância; os meus primeiros refrigerantes – Cerejinha e Tubaína! | A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini — fevereiro 17, 2016 @ 17:52 |