Há quatorze anos passo diariamente na frente da igreja da Ordem Terceira do Carmo que fica ao lado da Secretaria da Fazenda de São Paulo, onde trabalho. A construção é uma joia rara colonial em meio ao barulho e a fuligem do centro da cidade. E que descansa quase sufocada pelo grande prédio da Secretaria da Fazenda. Na entrada, a data de construção surpreende 1632, e dentro encontramos um dos últimos exemplares do barroco paulista do período com obras do Padre Jesuíno do Monte Carmelo. Nascido em Santos em 1764, Jesuíno Francisco de Paula Gusmão mudaria o nome para Jesuíno do Monte Carmelo ao seguir a vida religiosa depois de ficar viúvo em 1793. Foi pintor, arquiteto, escultor, músico, poeta e entalhador. No entanto como padre só rezaria sua primeira missa em 1798 como “ex defectu natalium” expressão em latim que quer dizer “defeito de nascença” por ser mulato, vejam que absurdo! As obras presentes na igreja do Carmo em São Paulo foram realizadas por volta de 1796 e redescobertas por Mário de Andrade em texto publicado em 1942 quando estudou a obra do artista. Mas o achado mais importante viria do próprio Mário que aquela época desconfiou que a pintura do teto ocultasse algo maior já que apenas a lateral apresentava obras do artista. E foi assim que em 2007 foi descoberta no teto abaixo de uma pintura menor uma imagem de Nossa Senhora do Carmo, com as mãos ao peito e cercada de anjos. Não houve dúvidas, quanto à autoria, quando se analisou o traço do pincel; ali estava um autêntico Jesuíno do Monte Carmelo.
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Hoje, durante meu horário de almoço, assisti uma missa solene, em homenagem a Nossa Senhora do Carmo – 16 de julho é o seu dia! O majestoso órgão se fez ouvir entre louvores e preces ora em português, ora em latim. E, ao final, quem nunca recebeu o escapulário de Nossa Senhora do Carmo formou longa fila onde o padre fez a benção de centenas deles e a imposição.
Localizada no centro histórico da criação da cidade de São Paulo a igreja do Carmo esteve presente no cotidiano da colônia e do Império onde se firma a visita do então Imperador Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina em 12 de abril de 1846, ocasião em que houve procissão até o Pátio do Colégio. As festas ali realizadas são lembradas no famoso livro de Antonio Egidio Martins, São Paulo Antigo, que narra a seguinte passagem:
“…da igreja do Carmo onde todas as festas eram feitas com muito esmero e capricho, saía antigamente à procissão do Triunfo a percorrer as ruas da cidade carregando as seguintes imagens representando: Jesus no horto, Jesus na prisão, Jesus atado a coluna, Jesus coroado de espinhos, Ecce Homo, Jesus com a cruz as costa e Jesus no calvário…”
(Monteiro, 1978: p. 38).
Essas imagens podem ser vistas hoje no interior da igreja já que desde os anos vinte do século passado já não se realizam as celebres procissões, embora ainda preserve antigas tradições e novenas que atrai grande número de fieis.
A ordem do Carmo criada por Santo Elias em 1594 apresenta três Ordens que são as seguintes: A ordem Primeira é a ordem Carmelitana composta de padres confessos com sede na Rua Martiniano de Carvalho; a Ordem segunda são as das freiras ou irmãs religiosas do Carmelo e a Ordem terceira é aquela pertencente ao irmão carmelitano ou fieis seguidores. Alguns desses seguidores estão na história de nosso país como Pedro Dias Paes Leme, Padre Diogo Antonio Feijó, Raphael Tobias de Aguiar, Amador Bueno da Veiga, Firmino Whitaker, Barão Raymundo Duprat, Condessa Amália Ferreira Matarazzo, Dr. Alfredo Pujol, Barão e Baronesa de São Joaquim, além de famílias tradicionais e eminentes políticos de São Paulo.
Localizada no triângulo histórico da fundação de São Paulo, mais precisamente na antiga esplanada do Carmo em frente a uma íngreme ladeira hoje conhecida como Avenida Rangel Pestana, o conjunto do Carmo compunha-se originalmente de convento, igreja da Ordem segunda (1594) a igreja atual (1632) e o colégio do Carmo atrás desta última. O convento, a ordem segunda e o colégio foram desapropriados pelo governo do Estado e neste terreno se encontram, hoje, o prédio da Secretaria da Fazenda. No andar térreo da Secretaria da Fazenda e no primeiro andar, existem fotos que mostram parte da demolição.
Demolidos o convento e a igreja da ordem primeira, em 1928, tanto os altares assim como as imagens foram transferidos para uma nova capela na Martiniano de Carvalho transformada posteriormente em imponente Igreja.
Desde os primórdios de sua fundação foram sepultados nas dependências das igrejas diversos membros como Bandeirantes, Fundadores, e homens ilustres como Pedro Dias Paes Leme, pai de Fernão Dias Paes Leme. A prática de enterros perdurou até 1867 quando foi adquirido terreno próximo ao cemitério da Consolação na Rua Sergipe. A Ordem realizava os sepultamentos dos Irmãos Terceiros, quando estes expressassem esta vontade em testamento, no interior da capela mor, nos corredores, na nave, no chão, e em praticamente toda a extensão da Igreja. Para isto o soalho era constituído de grandes retângulos de madeira que podiam ser removidos, deixando a descoberto as cavidades onde eram colocados os corpos.
Hoje apenas 51 corpos se encontram no interior da Igreja em cripta construída para este fim, o restante foi transferido para o cemitério.
No altar principal o barroco predomina com a imagem da padroeira entre duas colunas com imagens dos santos carmelianos: Santa Teresa e São João da Cruz. Seguindo as laterais encontramos sete magníficos altares menores com imagens dedicadas a paixão de Jesus. O sétimo altar foi construído em 1684 e oferecido pelo então capitão mor e governador da província de São Paulo Pedro Taques de Almeida.
Entre preciosas madeiras e adornos dourados vemos pinturas de Pedro Alexandrino, o moço e Padre Jesuíno de Monte Carmelo. Também há uma belíssima lâmpada em prata suspensa entre o altar-mor e a nave central. Em toda a igreja luminárias de bronze, castiçais, candelabros e mobiliários em jacarandá da Bahia fazem parte dos tesouros artísticos presentes.
Remanescente raro do período colonial a Igreja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo, anteriormente parte de grande complexo religioso, entre o metrô e o grande edifício da Secretaria da Fazenda foi testemunha durante 367 anos das mudanças da colônia ao Império e deste, para a grande metrópole chamada São Paulo.
Post baseado em texto de Iomar Travaglin, com alterações.
Serviço:
Igreja da Ordem Terceira do Carmo
Horário de funcionamento: de segunda a sexta, das 8h às 17h. Missas: de segunda a sexta, às 12h15. Sábado e domingo, às 9h.
End.: Av. Rangel Pestana, 230 – Centro – São Paulo.
Tel: (11) 3242-8361.
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