Quem visita o A Simplicidade das Coisas sabe que sou alguém que gosta de relembrar o passado. Tenho reminiscências tão distantes que às vezes custo a lembrar com exatidão em qual circunstâncias ocorreram. Nossa memória é formada não só por imagens, mas por cheiros, sons, sensações e gostos. E ao longo de nossa vida tais coisas ficam arquivadas em caixinhas, que de vez em quando abrimos e tudo ressurge como em um filme.
Nem sempre aquilo que me lembro da minha infância, das pessoas que povoaram minha existência, são as mesmas lembranças que povoam as mentes de minhas duas irmãs. E os eventos que eu vivi num certo momento podem não ter tido relevância naquela época, mas podem ter um significado maior para quem eu sou agora. É mais ou menos como um livro – a cada vez que o relemos terá um novo significado. O que está escrito ali não se modificou, mas o entendimento do que lemos sim – esse se modifica na medida em que o tempo passa.
Tudo o que ficou registrado são fragmentos e a eles incorporamos lembranças alheias para compor as nossas recordações. Relatos conseguidos através de conversas com uma tia sobre nossa infância, histórias de amigos a respeito de suas famílias e de nossa convivência com eles num passado remoto, cenas assistidas em filmes, passagens de novelas vistas na TV, nossa imaginação, tudo serve para preencher os espaços e dar sentido àquilo que queremos lembrar, e que, partindo da lembrança de um evento concreto e que aconteceu lá atrás, desenvolve-se como uma estória. Então, podemos presumir que aquilo que fomos ontem existe apenas no que somos hoje. Dessa forma o passado será uma invenção projetada desde o futuro, eternizado no hoje.
Tenho apenas quatro fotografias que eternizaram o meu rosto na infância (as que estão neste post). A mais antiga gravou um rosto mais ou menos alegre sobre um corpo franzino vestindo roupas simples, desses conjuntos comuns de criança: um tecido de algodão branco com bolinhas, pés descalços, sobre um velocípede muito simples, com manetes de madeira e que certamente era de segunda mão. Não devo ter um ano de idade, estou dentro da casa da colônia do Haras e Fazenda São José do Morro Grande onde morávamos, e onde meu pai era tratorista e minha mãe cozinheira. Com essa idade, solto, sozinho sobre o velocípede, sem ninguém a me segurar. Deveria ser um dia de verão por conta da roupa que estou vestindo. O outro retrato revela uma criança, em foto tirada em estúdio na cidade de Rio Claro/SP (Estúdio Copriva), sobre uma cadeira de veludo, olhos melancólicos e fisionomia assustada, de sapatos e meias. Devo ter um ano de idade.
A Terceira, na mesma fazenda, com uns dois anos de idade, cara de choro, sentado no trator que era uma das ferramentas de trabalho de meu pai. Visto um shorts com suspensórios, camisa e sapatos.
Na quarta fotografia aparento ter uns três anos, talvez um pouco mais, estou em frente a um coqueiro, também na fazenda, com roupas similares a anterior, boné na cabeça e nas mãos tenho uma bola. Tais registros existem porque o filho do proprietário da fazenda, Renato Mário Pires de Oliveira Dias Júnior, gostava de fotografar e me eternizou nessas imagens.
Mas, qual passado eu posso reconstruir quando visualizo o instante dessas fotografias? Estou lá, sem dúvida. Até reconheço-me, mas estranho-me, pois cinco décadas me separam de mim mesmo.

Eu, mais de cinquenta anos depois!
Aquela criança que existiu em mim ainda está por aqui? Cada período da minha vida concebeu um indivíduo distinto, que, embora assentado em bases comuns, alçou sua própria história. Para reconhecer-me nestas fotos, tenho que me apoiar naquilo que sou hoje. Por isso, cada recordação dos dias antigos é a lembrança de uma das minhas várias vidas passadas.
Belas fotos! É sempre bom relembrar…. abraços
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Comentário por Carmelita — janeiro 16, 2015 @ 12:36 |
Oi Carmelita.
Agradeço sua visita ao blog.
Abrs. e bom final de semana.
Augusto
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Comentário por Augusto Martini — janeiro 16, 2015 @ 13:17 |
Nossa, estava fazendo uma pesquisa do mercado consumidor infantil (trabalho da faculdade) e me deparei com o seu blog!
Muitooooo legal, eu tenho 20 e poucos anos, mas sou apaixonada em como as coisas eram antigamente, muito mais puro, divertido e simples!
Parabéns pela pagina, você escreve muito bem 😉
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Comentário por Estela Soares — outubro 23, 2015 @ 10:35 |
Boa tarde Estela.
Agradeço muitíssimo sua visita ao blog. Nele há outros posts com o tema infância. Espero que goste.
Um abraço.
Augusto
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Comentário por Augusto Martini — outubro 23, 2015 @ 12:20 |
[…] em uma casa de colônia na Fazenda São José do Morro Grande, no Distrito de Ajapí, que pertence à Rio Claro/SP, onde meu avô era o administrador, meu pai o […]
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Pingback por Lembranças de infância | A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini — julho 26, 2016 @ 8:27 |
Augusto,
Seus textos são sempre uma delícia! A sensibilidade que vc coloca neles é como a mistura de temperos que o Alim coloca em nossos pratos!
Casal mais afinado esse!
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Comentário por Charlotte S Jorge — junho 15, 2018 @ 11:58 |
Oi Charlotte!
Obrigado por visitar ao “A Simplicidade das Coisas”.
Agradeço por sua amizade e carinho conosco. A amizade acalenta, cura, transforma, renasce!
Grande beijo!
Augusto
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Comentário por Augusto Martini — junho 18, 2018 @ 9:30 |