A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

novembro 25, 2014

A família Martini, de Rio Claro/SP – parte 2

Continuação… (ver a parte 1)

Mas não era só para comer e beber vinho que nossa família se reunia – a gente também tinha que rezar o terço. Quando criança o nosso passeio era ir à missa e não víamos a hora de ter uma quermesse. A gente também gostava de rezar o terço, não por rezar o terço, mas pelas brincadeiras da molecada que havia depois que acabava o amém. E também a baciada de pipocas que minha avó fazia!

No sítio eles faziam procissão para chover. Todo o mundo em procissão para dar banho no São Benedito, porque daí não chovia muito. Lavar o santo no riacho, imagine só? Ao meio dia faziam procissão até uma encruzilhada pra jogar água nela, isso para fazer chover. Será que hoje isso funcionaria?

Meu avô, Primo Martini, com minha avô, Virgínia Calore Martini, em sua primeira foto juntos, na saída da missa, quando começaram a namorar.

Meu avô, Primo Martini, com minha avô, Virgínia Calore Martini, em sua primeira foto juntos, na saída da missa, quando começaram a namorar.

Nós, as crianças, fazíamos isso na inocência, na pureza. Minha mãe era muito devota de Nossa Senhora Aparecida e de São José – sempre rezou muito. Eram essas coisas que faziam parte de nossa “agenda”: “mês tal vai ter terço”. Um dos nossos maiores anseios era saber que ia ter terço. As ruas de Rio Claro eram mal iluminadas, a gente ia a pé para ir rezar. Não queríamos nem saber se estava chovendo, se estava frio. A gente sabia que esse era um modo de conversar com as pessoas. Nem passava pela nossa cabeça o uso telefone. Telefone, TV e geladeira não faziam parte do nosso pobre cotidiano. Então a gente saía e ia fazer visita nas casas.

Quando alguém ficava doente se dizia: “olha, fulano está doente. Vão lá rezar um terço na casa dele!”. E íamos! A igreja sempre fez parte de nossa infância.

Minhas irmãs foram criadas naquele sistema de que as mulheres deveriam ser educadas para cozinhar, bordar, costurar e saber cuidar da casa. Por isso só estudaram até o equivalente ao 4º ano do primário. A Ivone chegou a fazer, depois de mãe e adulta, o supletivo do primeiro e do segundo grau.

Aos sábados era dia de lavar a casa. E minha mãe fazia pão também neste dia. Isso era sagrado, todo sábado ela fazia cinco, seis pães que durariam para a semana toda. Comíamos muito pouco pão industrializado. Mas o forte lá em casa era o doce de abóbora, que ficava apurando no fogão à lenha. A polenta também não podia faltar, que era feita na panela de ferro, mexendo até cozinhar e despregar do fundo da panela.  E depois era a briga para dividir a crosta que ficava grudada no fundo! O doce de banana era mais demorado para ficar pronto – começava dar a fervura, depois ia pra parte de trás do fogão cozinhando e apurando por um bom tempo.   Lembro que eu e minhas irmãs raspávamos o que estava na beirada da panela. Comíamos escondido, pois minha mãe não gostava que interferíssemos. Ela também fazia muito curau na época do milho verde. Era o tipo de receita que juntava todo o mundo em volta das panelas, porque demorava, então tinha que ter bastante gente pra fazer. Um limpava as espigas, outro ralava o milho e assim por diante. E das raspas do milho saía o bolo! Todos em volta da comida! Adorávamos cozinhar e bastante, para bastante gente, fazer pouca comida nunca foi do feitio de minha mãe. E de algum jeito isso continua na família – todos nós gostamos de cozinhar e exageramos!

Lembrar do passado faz vir o cheiro das receitas da minha mãe e tem cheiro e sabor de saudade, por mais que a gente tente não sentir saudades. Meus avós não voltam mais; meus pais também não. A minha mãe foi um ser especial em todos os sentidos – na cozinha, em tudo. Como mãe, como pessoa… Acho que todo mundo tem a mãe como referência, mas eu tenho a minha como uma heroína.

Mas não é saudade triste, é uma saudade de amor que tem cheiro de colo e terra. Temos que dar valor às coisas que tivemos e temos na vida e saber que tudo isso veio da terra. Mas às vezes, me intriga pensar como meus pais conseguiram nos criar só com aquelas coisas que tínhamos ali. E minhas avós então? Quase todos os anos era um filho novo. E elas estavam praticamente o ano inteiro com uma criança no colo, e mesmo assim conseguiram criar todos na dureza da vida no sítio, com a labuta diária na lavoura. Mas, lembro-me disso com carinho – e isso tudo tem gosto de saudade, mas uma saudade de amor mesmo…

Sou muito sentimental e gosto muito da boa mesa (sou taurino!). E é engraçado pensar como a comida pode ser um jeito de lembrar a família. Não em uma receita específica, mas sim em um momento do pessoal na cozinha, em volta da mesona, preparando o pão ou o macarrão, cada um pegando um punhadinho da massa, fazendo rolinho… E todo mundo comia. Acho que o pão é o alimento que mais tem o cheiro da nossa família. E acabo de escrever isso tudo com lágrimas nos olhos, lembrando com saudades a minha infância e os meus antepassados…

15 Comentários »

  1. Muito sincera toda essa lembrança que você guarda na memória da família. Eu me identifico também nas suas palavras.

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    Comentário por Augusto Martini — novembro 27, 2014 @ 8:28 | Responder

  2. Muito sincera toda essa lembrança que você guarda na memória da família. Eu me identifico também nas suas palavras.

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    Comentário por CocarCafeGourmet — novembro 27, 2014 @ 8:36 | Responder

    • Muito obrigado! Abraços. Augusto

      Em 27 de novembro de 2014 08:36, A Simplicidade das Coisas — Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — novembro 27, 2014 @ 8:41 | Responder

  3. Que saudades de tudo , de quando éra pequena e vó fazia tudo isso pra gente
    Pena que num volta mais . E deveria ter aproveitado muito mais enquanto tinha
    Bjusss

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    Comentário por Regiane C. Christofoletti Gouveia — novembro 28, 2014 @ 12:21 | Responder

    • Oi minha querida. Pois é. Por isso tudo temos que aproveitar os momentos presentes, esquecer desavenças, confraternizar, viver a vida. Bjs. Gu

      Em 28 de novembro de 2014 12:21, A Simplicidade das Coisas — Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — novembro 28, 2014 @ 12:38 | Responder

  4. Eu li, também com lágrimas nos olhos, por lembrar da minha infância! Não foi vivida em Rio Claro, mas sim na Penha, em São Paulo. Muito gostoso recordar, principalmente com sentimento de amor e não de amargura. Pena, que muitos desta nova geração talvez não terão tantas recordações boas para contar no futuro. Está faltando o “sentar à mesa”, o diálogo olho no olho, a admiração e o respeito pelos mais velhos, a reunião familiar, o temor a Deus, e muitas outras práticas que tínhamos e hoje já não vemos mais.Que pena…

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    Comentário por Vania Bayer — novembro 29, 2014 @ 17:21 | Responder

    • Bom dia D. Vânia! Fique muito feliz com sua visita ao meu blog! Um abraço e bom domingo para toda a família Bayer. Augusto

      Em 29 de novembro de 2014 17:21, A Simplicidade das Coisas — Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — novembro 30, 2014 @ 11:37 | Responder

  5. Maravilhosa exposição que nos leva a refletir o que realmente vale na vida. também tive uma infância próxima disso e muito me orgulho pelos valores e princípios recebidos de tão nobre família que tenho na cidade de Itapeva SP.

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    Comentário por eunice aparecida rocha camargo — dezembro 3, 2014 @ 21:37 | Responder

  6. Olá meu nome é Fernando e comecei a buscar sobre as origens da minha família, deparei que talvez temos algum parentesco a minha avó paterno (mãe do meu pai) se chama Apparecida Martini que é filha de José Martini c/ Rosa Gotardi, pelo ano de nascimento da minha avó, talvez o José Martini tenha nascido no ano de 1892 o fato que me chamou a atenção é que a minha avó nasceu em Corumbataí e o meu bisavô se casou em Rio Claro, sendo o mesmo filho de Luiz Martini com Thereza Shizza, por gentileza, como observei em seu blog que você contém muito mais informação poderia verificar se temos algum parentesco e parabéns pela atitude de manter o blog é uma excelente fonte de informações

    Att.

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    Comentário por Fernando Carmelo Saracuza — julho 11, 2017 @ 9:49 | Responder

    • Bom dia Fernando.
      Vou pesquisar na árvore genealógica que estou montando e sim, talvez tenhamos parentesco mesmo. Lembro que meus pais e avós sempre citavam o sobrenome Gotardi como parentes próximos.
      Abraços.
      Augusto

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      Comentário por Augusto Martini — julho 11, 2017 @ 10:10 | Responder

    • Boa tarde, Fernando! Não sei se encontrou algo… mas eu sou neta do Antônio Martini, nascido em Corumbataí… ele também é filho de Rosa Gotardi com José Martini! Você localizou mais informações?

      Abraços “primo”

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      Comentário por Ana Paola Martini — outubro 30, 2020 @ 12:20 | Responder

  7. Amo histórias de minha grande família Matrtini.

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    Comentário por Dal Matrtini — março 23, 2018 @ 23:00 | Responder

  8. […] continua… Parte 2 […]

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    Pingback por A família Martini, de Rio Claro/SP – Parte 1 | A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini — março 23, 2018 @ 23:36 | Responder


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