Meu sonho me fez lembrar da época em que brincávamos na rua sem perigo algum, de empinar pipa, bolinha-de-gude, rodar pião, amarelinha, carrinho de rolemã, pique esconde, pera, uva, maça, salada mista, sem violência, sem drogas, sem malícia, sem gravidez precoce, aids, etc., ou seja, um tempo que infelizmente não volta mais…
Hoje acordei com uma sensação muito boa. Meu sono foi interrompido enquanto sonhava que empinava um papagaio. Ele era colorido, com “barbichas” que lembravam as cores do arco-íris. Até hoje, já com 55 anos, continuo apaixonado por pipas. De vez em quando me dá vontade, compro papel de seda, vou até minha chácara, corto um bambu, faço varetas e, usando os sobrinhos como desculpa, passo a fazer uma pipa. Hoje em dia os papagaios saem melhores dos que fazia quando criança, época um tanto sem jeito. Mas confesso – mesmo assim eu era bom nisso…
Na minha infância, papagaio era o nome dado para todo e qualquer artefato que voasse. Pipa era o nome específico para o papagaio feito com três varetas, que normalmente era utilizado para laçar, caçar e cortar outras pipas. Esse papagaio possuía um rabo ao qual era dado o nome de rabiola – esse rabo era muito longo, difícil e chato de fazer. As vezes com papel de seda, mas, na maioria das vezes era confeccionado com saco plástico, desse de acondicionar lixo. Ainda não tínhamos as sacolinhas de supermercado. E como ficava linda no ar uma pipa com uma rabiola bem feita!
Era difícil fazer uma pipa perfeita, pois as três varetas tinham que ser amarradas com linha, formando a armação. Ela tinha que ser equilibrada, com varetas proporcionais para que o peso fosse igual nas duas metades. Nada conseguia fazer subir uma pipa com uma armação mal feita. Ela ficava “pensa”. O bom empinador era aquele que fazia uma boa pipa.
Quem morou em Rio Claro, na Vila Martins, Vila Alemã ou Vila Nova e na mesma época que eu, certamente lembrará da Mercearia dos “Pizzirani”, que ficava na confluência da Rua 3-A com a Avenida 32-A. Lá, tinha a Odete, sua irmã, seu irmão e seus pais, que ficavam malucos quando a molecada aparecia para comprar papel de seda. A gente queria escolher o mais bonito, as folhas melhores… Isso quando tínhamos dinheiro. Porque na grande maioria das vezes o papagaio era feito com uma única folha jornal – fazia-se o “capucheta”, sem varetas. Servia para aqueles dias em que não conseguíamos “arrancar” dos pais o dinheiro para o papel e a cola – que muitas vezes era feita de uma gororoba de trigo com água… Para fazer outros tipos de papagaio, usava-se também o papel-de-pão, ou outro qualquer que estivesse à mão. E saíam pipas maravilhosas e perfeitas!
As meninas empinavam “maranhões” ou “quadrados”, que eram pipas com duas varetas, grandes e sem rabo, incapazes de fazer manobras. Era uma coisa insossa. Verdadeiramente, brinquedos de meninas! Subiam com qualquer assopro de vento e ficavam lá, paradas no ar, ao sabor do vento. Coisa mais sem graça!
Desses outros modelos, tinha o quadradinho ou o peixinho, que era um quadrado menor, com rabo (geralmente muito longo e parecido com a rabiola das pipas), que permitia manobras.
Eu conseguia também fazer um tipo de papagaio muito grande, de forma hexagonal ou octogonal, com rabo geralmente feito com tiras de pano. Precisava de vento forte e constante. Este eu nunca consegui chegar perto da perfeição. Saíam, mas dificilmente subiam bem.
Na época de infância, o meu grande sonho era aprender a fazer papagaios do tipo caixa, verdadeiras obras de arte na época. Tentei fazer alguns. Mas dependia de mais tempo, ter mais varetas e mais dinheiro para comprar papel de seda.
As manobras com as pipas, eram conseguidas com golpes na linha, que fazia as fazia “dibicarem”, isto é, mergulharem em direção ao solo. Deste mergulho, só saiam quando se soltava mais linha. E como a gente se sentia feliz quando conseguia esse feito!
Portanto, o bom empinador era aquele moleque que fazia a pipa quase bater no chão, para só aí dar linha, fazendo com que ela voltasse a subir. Era a glória! E com isso conseguia-se o respeito dos outros meninos. A gente tornava-se quase um herói, um semi-deus. As manobras eram usadas também para cortar a linha de outras pipas. As linhas eram preparadas com uma mistura de vidro moído e cola a qual era dado o nome de cortante, tornando-se verdadeiras navalhas. Conseguia-se cortar a linha de outras pipas. Também cortavam a mão de quem as usava. Não eram incomuns acidentes com essas linhas, acidentes estes que, infelizmente, acontecem até hoje…
Hoje em dia a criançada encontra diversos tipos de papagaios prontos. Basta ter dinheiro para serem comprados. São feitos de plástico, nylon ou outro material sintético qualquer. Muitos destes são desmontáveis, necessitam normalmente de linhas tipo cordonê, muito mais grossas que a chamada linha número dez que usávamos nas pipas feitas em casa.
Ah, a linha. Era um outro problema. Quantas vezes não apanhei do meu pai por usar o carretel de linha de pesca ou a linha de pedreiro para empinar papagaio. Apanhava também de minha mãe, por roubar o carretel de linha de costura da máquina… E era uma epopéia achar uma boa lata para enrolar a linha. O lixo doméstico não era tão rico quanto o de hoje. Alimentos enlatados era artigo de luxo.
De qualquer forma, feitas em casa de papel e bambu, ou compradas prontas, de nylon e varetas plásticas, uma pipa é, ainda hoje, garantia de muita diversão. Afinal, não podemos nunca perder a esperança de alcançar as estrelas.
DICA IMPORTANTE PARA AS CRIANÇAS EMPINAREM PIPAS COM SEGURANÇA
• Não use linhas com fio de cobre ou cerol, pois só as de algodão são seguras. A maioria dos acidentes com cerol ocorre na região do pescoço, ao provocar graves hemorragias que em alguns casos podem provocar morte;
• Preste atenção a motocicletas e bicicletas, pois a linha, mesmo sem cerol, é perigosa para os condutores;
• Não solte pipas perto de fios ou antenas para evitar choques elétricos;
• Não solte pipas em dias de chuva ou relâmpagos;
• Não retire pipas presas em fios de transmissão de eletricidade ou árvores, nem faça pipas com papel laminado, pois o risco de choque e acidente é grande;
• Procure locais abertos como, parques, praças ou campos de futebol;
• Não solte pipa em lajes ou telhados, para evitar quedas;
• Olhe bem onde pisa, especialmente quando andar para trás, para não cair;
• Caso a linha quebre, não corra atrás da pipa sem observar se o caminho é seguro, como atravessar ruas e passar por buracos, para evitar acidentes;
• Use luvas ao soltar pipa, para não machucar as mãos.
• Tente soltar pipa sem rabiola, como as arraias. Na maioria dos casos, ela prende no fio por causa da rabiola.
• A diversão faz bem à saúde, mas divirta-se com segurança.
Época que acho lindo ver crianças e adultos enviando forças as pipas…papagaios…e outros nomes mais.Na minha quase adolescência pude ter a alegria de brincar e enviar recadinhos de papel que colocávamos na linha e o vento ia levando até quase chegar até ela…Pude brincar assim com as minhas primas de Brasília quando passava alguns dias por lá com elas.
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Comentário por Irany Soares de Araujo — setembro 15, 2014 @ 13:38 |
Oi Laly. Boa essa sua lembrança. Também fazíamos isso – enviar recados! Bjs. e saudades. Augusto
Em 15 de setembro de 2014 13:38, A Simplicidade das Coisas — Augusto
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Comentário por Augusto Martini — setembro 15, 2014 @ 14:03 |
Fiquei feliz por ver que enfim, alguém que não só eu, conheceu a “capucheta”. Era a única que eu podia empinar, por ser menina, e ela era muito fácil de se fazer, além de não precisar de dinheiro para o papel. Hoje com 70 anos é bom lembrar de um tempo de tanta pureza. Obrigada, Augusto.
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Comentário por Rozimare Passini — setembro 19, 2014 @ 21:09 |
Olá Rozimare.
Muito obrigado por sua visita ao blog.
Abrs.
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Comentário por Augusto Martini — setembro 20, 2014 @ 11:58 |
Agradeço sua visita e fico feliz por ter-lhe despertado boas lembranças.
Abrs.
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Comentário por Augusto Martini — setembro 23, 2014 @ 8:42 |