Lembrar de minha infância não significa apenas fazer relatos de acontecimentos e fatos passados. Significa mexer numa série de sonhos, sentimentos, emoções, sensações de medo e insegurança… Lembrar do passado é recordar as brincadeiras com os amigos, lugares, cheiros e sabores de tamanha importância que ficaram gravados na memória.
Lembro perfeitamente dos cheiros das comidas que minha mãe fazia, do perfume das flores do quintal (não gostava do cheiro de dama da noite – me dava enjoo), do cheiro do estábulo do sítio de meu avô – adorava o cheiro de cocô de vaca! Gosto ainda! Cheiro de capim cortado… Ainda hoje, quando sinto esses cheiros, passa um filme em minha cabeça.
Como já falei aqui, minha infância foi muito pobre, com poucas roupas novas e quase nenhum brinquedo “industrializado” – a não ser uma aranha, daquelas ligadas a uma mangueirinha e um fole, que ao ser pressionado a fazia pular e um trenzinho de lata – com uma locomotiva e três vagões – único brinquedo que ganhei de meus padrinhos de batismo. Em compensação, tínhamos o espaço, a atenção e o amor de nossos pais.
Levei muitos tombos do balanço do flamboaiã que tinha em frente de casa. A rua toda era cheia deles. Frondosos! Maravilhosos! Quantos cacos de vidro e pregos enfiados nos pés descalços ganhei correndo pelo mato, a noite, para caçar vaga-lumes e coloca-los em um vidro. Ou durante o dia, caçando içá fêmea, para comer uma iguaria feita com sua parte inferior do abdome (conhecida também como tanajura – a fêmea da formiga saúva) para torrar e comer, feito amendoim.
Lembro também da minha primeira semana na escola, que foi de muito choro e dramas. Apanhei muito para ir. Minha mãe me arrastou pelas calçadas e sob ameça de levar cintadas!
Ah, as deliciosas lembranças do tempo de criança, de árvores e quintais, frutas, brincadeiras na rua…. As crianças de hoje, mesmo as que moram no interior, como meus sobrinhos, não aproveitam o espaço, não brincam como antigamente. Querem saber somente de vídeo jogos, computadores… Eu adorava ler revistas em quadrinhos como Tio Patinhas, Pato Donald. Lembro-me de um quadrinho brasileiro feito pelo Ziraldo, que era a Turma do Pererê. Os personagens dessa revista eram um pequeno índio e vários animais que compõem o universo do folclore, tais como a onça, o jabuti, o tatu, o coelho e a coruja.
Fui uma criança saudável, mas que tinha alguns problemas comuns na época como gripe, catapora, caxumba… E que enjoava muito se andasse de ônibus. Vomitava mesmo! Minha mãe fazia algumas simpatias como: colocar dois pedaços de esparadrapo em cruz, sobre o umbigo; tirar os sapatos dentro do ônibus, etc..
Nos anos sessenta, poucas eram as pessoas que compravam roupas prontas, nas lojas. Pelo menos em casa isso não acontecia. E nem tínhamos dinheiro para isso. Naquele tempo, poucas eram as mulheres que trabalhavam fora de casa. Que me lembre, não conheci nenhuma mãe que tivesse um emprego. Assim, quase todo o vestuário das famílias era costurado em casa, ou encomendado às costureiras. Isso implicava em inúmeras provas, palpites, espetadas de alfinetes. Para mim e minhas irmãs, fazer uma roupa nova era ter momentos da mais pura felicidade. E isso acontecia somente uma vez ao ano, em época próxima ao Natal. Num final de semana íamos todos para a “cidade” (para o centro da cidade), na loja de um turco que vendia tecidos. Lá, minha mãe escolhia um tecido para a camisa, um para a calça e, para minhas irmãs, um tecido sempre igual, que daria origem a dois vestidos com a mesma estampa, para desgosto delas. O tecido para os pijamas, de flanela, também eram comprados nessa ocasião.
Minha mãe não era uma exímia costureira, mas, sabia costurar o trivial. Para peças mais elaboradas, que foram poucas, tinha uma prima de meu pai que era a costureira da família.
Da máquina Singer de pedal de minha mãe iam saindo vestidos, camisas, todos tirados de um molde de papel pardo.
Minhas irmãs, já adolescentes, mais a Cida, uma prima que todos nós consideramos como irmã e que veio do sítio para morar com a gente, aprenderam Corte e Costura com a Dona Mafalda, professora da “Escola de Corte e Costura Cristo Rei”, da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida, em Rio Claro/SP. Aprenderam a tirar os moldes que vinham nas revistas, geralmente dobrados nas páginas centrais. Eram linhas vermelhas, pretas, azuis e podiam ser retas ou pontilhadas. Faziam os moldes que eram colocados sobre o tecido e então cortados. E de lá saiam as calças pantalonas, blusas, etc.. Lembro que elas passeavam no centro da cidade e olhavam as vitrines. Assim que chegavam em casa, desenhavam as roupas mais interessantes que seriam costuradas depois.
Num tempo em que a palavra customização não existia, lembro que usava cuecas feitas de saco branco alvejado. Mesmo sem recursos, sempre tivemos roupas, muitas de segunda mão é fato, pois se faltava dinheiro, sobrava criatividade. Tudo se reaproveitava e eu ainda herdava as roupas de primos e conhecidos, como já disse em post anterior.
Acredito piamente que tive uma infância feliz. Para vocês, para terminar, um pouquinho de meu poeta preferido, Fernando Pessoa.
Porque esqueci quem fui quando criança?
Porque deslembra quem então era eu?
Porque não há nenhuma semelhança
Entre quem sou e fui?
A criança que fui vive ou morreu?
Sou outro? Veio um outro em mim viver?
A vida, que em mim flui, em que é que flui?
Houve em mim várias almas sucessivas
Ou sou um só inconsciente ser?
Augusto li todos, em alguns momentos tive lágrimas nos olhos, pois a sua infancia se parece com a minha, com a unica diferença é que eu sou da cidade de SP.Mas mesmo assim tinhamos um enorme terreno que virou uma praça, e era lá que nos brincavamos, não tinhamos brinquedos, mas a imaginação corria solta, “eramos criativos”, Um grande abraço a voce e a mim que tivemos a felicidade de curtir a nossa infancia
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Comentário por Filomena Signorelli Bertoncello — agosto 20, 2013 @ 17:25 |
Oi Filomena. Fico feliz que tenha gostado do texto. Um abraço. Augusto
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Comentário por Augusto Martini — agosto 20, 2013 @ 17:26 |
u adorando saber do seu passado. Entro em alguns detalhes e vejo o meu. Parabéns!!! Continue narrando mais coisas . BEIJÃO
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Comentário por Irany Soares de Araujo — agosto 21, 2013 @ 9:20 |
Oi Laly! Gostoso lembrar de coisas passadas! Ainda mais quando tais lembranças nos mostra que os percalços da vida é que nos moldaram no que somos hoje. Bjs.
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Comentário por Augusto Martini — agosto 21, 2013 @ 23:21 |