Hoje, dia 31 de outubro, comemora-se a data de nascimento de Carlos Drummond de Andrade (* 31/10/1902). O Instituto Moreira Salles está divulgando em seu sítio o Dia D – D de Drummond. Espalhe-se a idéia, tão simples quanto ambiciosa: transformar o dia 31 de outubro em um dia de celebração! Nas escolas, universidades, livrarias, bares, museus, TVs, rádios, centros culturais e mesmo em solidão, não importa onde e como, que todos se lembrem de festejar Drummond e a sua poesia.
Um outro dia D, para apagar a guerra e saudar a liberdade, a imaginação, a aliança entre os homens de boa palavra. “D é dia de todos, dia dado de bom grado por aquele que nos deu A rosa do povo, Claro enigma, A vida passada a limpo e tantas outras maravilhas.”
Ele nasceu em ltabira (MG) e era o ano de 1902. Fez seus estudos secundários em Belo Horizonte, em um colégio interno, onde permaneceu até adoecer e mudar-se de novo para ltabira. Depois voltou para outro internato, desta vez em Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro. Ficou pouco nessa escola: acusado de “insubordinação mental” – termo mais do que estranho, concordam? – foi expulso do colégio.
Em 1921 torna-se colaborador do Diário de Minas. Em 1925, diplomou-se em farmácia, profissão pela qual demonstrou pouco interesse. Nessa época, já era redator do Diário de Minas e tinha contato com os modernistas de São Paulo. No ano de 1928, na Revista de Antropofagia, publicou, o poema – “No meio do caminho”, que provocaria muitos comentários. No meio do caminho tinha uma pedra…
Drummond ingressou no funcionalismo público e em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro. Em agosto de 1987 morreu sua única filha, Julieta. Doze dias depois, o poeta também morreu.
Tinha publicado vários livros de poesia e obras em prosa – principalmente crônica. Ainda em vida já era consagrado como o maior poeta brasileiro de todos os tempos. O nome de Drummond está associado ao que se fez de melhor na poesia brasileira. Pela grandiosidade e pela qualidade, sua obra não permite qualquer tipo de análise esquemática. Para compreender e, sobretudo, sentir a obra desse escritor, o melhor caminho é ler o maior número possível de seus poemas. De acontecimentos banais, corriqueiros, gestos ou paisagens simples, o eu-lírico extrai poesia. Nesse caso enquadram-se poemas longos, como:
– O caso do vestido, e ;-
O desaparecimento de Luísa Porto;
E também poemas curtos, como: Construção. Quem nunca leu: “Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”
Muitos dos poemas de Drummond funcionam como denúncia da opressão que marcou o período da Segunda Grande Guerra. A temática social, resultante de uma visão dolorosa e profunda da realidade, predomina em “Sentimento do mundo”; de 1940 e “A rosa do povo”, de 1945. Tais obras não fogem de uma tendência em todo o mundo, na época: a literatura comprometida com a denúncia da ascensão do nazi-fascismo. A consciência de um tenso momento histórico que produz a indagação filosófica sobre o sentido da vida, pergunta para a qual o poeta só encontra uma resposta pessimista.
Muito em sua obra nos traz a constatação de que o ser humano luta sempre para sair do isolamento, da solidão. Neste contexto questiona-se a existência de Deus. Nos primeiros livros de Drummond, o amor recebe um tratamento irônico. A ausência do amor é a negação da própria vida:
“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, Você? Você que é sem nome, que zomba dos outros, Você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José? E agora, José? sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio, – e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse, a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse…. Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja do galope, você marcha, José! José, para onde?”
Não tem um poema do Drummond que seja o meu “preferido”. São Vários! Um deles é o chamado “Mundo Grande”. Segue abaixo.
Mundo Grande ( Carlos Drummond de Andrade)
Não, meu coração não é maior que o mundo.
Ê muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo.
Por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens.
as diferentes dores dos homens.
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem… sem que elo estale.
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! vai’ inundando tudo…
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos —— voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de invidíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar.
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
— Ó vida futura! nós te criaremos
como o mundo ficou pobre sem ele…
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Comentário por coisadelilly — outubro 31, 2011 @ 15:59 |
“Os homens não melhoraram e matam-se como percevejos. Os percevejos heróicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez [mais habitado. E se os olhos reaprendessem a [chorar seria um segundo dilúvio]” (trecho de O Sobrevivente)
Oi Lilian. Pois é… e em um mundo com sete bilhões de habitantes (anunciado pela ONU). Um mundo em que ele – que seria um só dos 7 bilhões – faz tanta falta! Bjs.
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Comentário por Augusto Martini — outubro 31, 2011 @ 16:08 |
sem duvida.
o que conforta a ausencia dele é que este reconehcimento nao foi postumo.
drummond sempre foi reconhecido pela critica, pelos leitores.
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Comentário por coisadelilly — outubro 31, 2011 @ 16:11 |
Amei o post e a oportunidade que trouxeste para nós. Já postei o meu poema favorito e já divulguei teu post perfeito.
bjs
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Comentário por Fernanda Reali — outubro 31, 2011 @ 16:32 |
Oi Fernanda.
Agradeço pelo carinho.
Augusto
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Comentário por Augusto Martini — outubro 31, 2011 @ 16:43 |
Ninguém melhor que ele pra fazer o Salário
Ó que lance extraordinário:
aumentou o meu salário
e o custo de vida, vário,
muito acima do ordinário,
por milagre monetário
deu um salto planetário.
Não entendo o noticiário.
Sou um simples operário,
escravo de ponto e horário,
sou caxias voluntário
de rendimento precário,
nível de vida sumário,
para não dizer primário,
e cerzido vestuário.
Não sou nada perdulário,
muito menos salafrário,
é limpo meu prontuário,
jamais avancei no Erário,
não festejo aniversário
e em meu sufoco diário
de emudecido canário,
navegante solitário,
sob o peso tributário,
me falta vocabulário
para um triste comentário.
Mas que lance extraordinário:
com o aumento de salário,
aumentou o meu calvário!
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Comentário por Irany — outubro 31, 2011 @ 16:34 |