A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

outubro 29, 2008

A Vida Passando na Janela

Soneto  –  Chico Buarque

 

 

Por que me descobriste no abandono

Com que tortura me arrancaste um beijo

Por que me incendiaste de desejo

Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo

De que romance antigo me roubaste

Com que raio de luz me iluminaste

Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida

E me indicaste o mar, com que navio

E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio

Com que direito me ensinaste a vida

Quando eu estava bem, morta de frio

Passei um tempo sem escrever por aqui e ontem fiquei pensando de que trataria esse artigo. Tenho muitas novidades, mas o tempo está curto. O prazo para a conclusão do doutorado se esgotando, falta ânimo…

Tenho pensado muito sobre minha vida. Gostaria de saber como foi o meu primeiro choro. Será que logo após o meu nascimento eu mamei o suficiente para dormir tranqüilo após ser expulso da paz do líquido amniótico? Quantos braços me carregaram e quantos narizes cheiraram meu suave e encantador odor de recém-nascido? E quem foi que escolheu o meu nome? Uns dizem que o primeiro nome foi uma das freiras da Irmandade da Maternidade da Santa Casa de Rio Claro quem sugeriu. Ela era devota de Santo Agostinho. Meu pai queria que fosse Zacarias! Desse eu me safei. O Jerônimo, eu não sei de onde veio. O personagem “Jerônimo – o herói do sertão” foi criado em 1953 por Moysés Weltman, para um programa de rádio do gênero novelas. Acho que é uma pista, já que nasci em 1959.

Será que meu primeiro passo foi incerto ou desafiante? Quem será que chamei primeiro: por meu pai ou por minha mãe? Gostaria de poder lembrar dos meus três primeiros anos, quando morei no Haras e Fazenda São José do Morro Grande, área rural de Rio Claro, onde meu pai foi tratorista e meu avô o administrador. De lá, tenho como lembrança algumas fotos (as únicas de quando era criancinha) e uma pequena cicatriz em um dos dedos da mão direita – marca deixada por uma Arara, feita em defesa da invasão que meu dedo fez em seu espaço.

Quem será que me deixou feliz para que desse meu primeiro sorriso espontâneo? Quantos molhos, comidas e sucos pintaram minhas roupas? A partir de quando comecei a usar o “nanão” – pedaço de cobertor que esfregava no nariz quando criança?

Lembro que minha mãe e minha avó (só conheci uma) sempre queriam me empanturrar com algum reforço de “sustança”. E diziam: “Tadinho do Dinho. Sempre tão magrinho!” E tome óleo-de-fígado-de-bacalhau! Quando tínhamos uma folga no orçamento, as tentativas de engorda nem eram tão ruins: ovos de pata (com casca e tudo), batidos com leite condensado e vinho tipo “ferro-quina”. Uma delícia! Se tivesse tendência ao alcoolismo…

Quando eu soube diferenciar o A de um Z – dizem que falei muito cedo – qual será que foi o meu maior desafio: ler um palavrão (inconstitucionalissimamente) ou dizer um palavrão (cacete)? Uma coisa eu me lembro: quando disse o meu primeiro palavrão (esse que citei), levei uma tremenda chinelada da D. Maria.

Quando será que eu tive consciência do quão bom é receber um abraço? Uma coisa eu nunca esquecerei: foi maravilhoso escrever meu próprio nome pela primeira vez! E qual foi minha primeira cicatriz? Quando subi no pé de manga no sítio do meu avô e caí ou quando alguém me decepcionou pela primeira vez?

Depois das primeiras letras, comecei a descobrir as coisas mais inúteis. Por exemplo: que Deus, em inglês é Lord, como também é God. E observei uma particularidade interessante (deixando o God de lado, é claro!). Em todos os idiomas, Deus se escreve apenas com quatro letras. Vamos a eles: em inglês, Lord, em francês, Dieu, em alemão, Gott, em português, Deus, em hebraico, Jhvh, em assírio, Adat, em germano, Godt, em persa, Sorn, em árabe, Alah, em sueco, Godt, em sânscrito, Dova, em espanhol, Dios, em grego, Toos, em grego antigo, Zeus, em viking, Thot, em egípcio, Amon, em inca, Papa, em fenício, Baal, em sírio, Illu, em japonês, Shin, em caldeu, Nebo e em hindu, Hakk.  Nem sei se isso tudo que escrevi está correto. Mas foi uma das minhas primeiras “grandes” pesquisas.

Ah, e os meus desejos de ter da juventude? “Quero um Sinca Chambó!”. “Quero “fazer coisas” com a boca da Farrah Fawcett!” (aquela, do antigo seriado “As Panteras”). “Quero ser rico e comprar uma praia!”. “Quero aquilo que todos querem, mas que têm vergonha de expressar”. E de quando encontrei forças que não tinha para suportar o tranco da solidão? E a alegria de aceitar-me simplesmente como sou, sendo?

Bem, deixei aqui alguns detalhes, lembranças de minha vida, assim, sem forçar a memória, sem tentar ser muito preciso. Fiquei contente, pois vi que com o passar dos anos me esforço para ser mais feliz. Quero ter sempre mais eventos para lembrar, nem que esse evento seja uma macarronada sozinho, com o Léo, meu gatinho, uma garrafa de vinho e chorando o amor que se foi. Quero beijar e ser beijado com o amor que todo ser vivente merece. Abraçar e sentir o coração bater quando meu peito está encostado no peito alheio. Pode ser um baita clichê ficar assim, esboçando boas lembranças, outras nem tanto, num dia qualquer, mas, para minha alegria, esse momento tornou-se inevitável. Isso tudo me deu vontade de fazer um balanço (com corda iraniana e assento de imbuia, faz favor!), num dos galhos de um pé de Jatobá que acho que só eu conheço. Essa fase pela qual estou passando não merece ser comemorada com bolos e bexigas – sei que a nossa caminhada ao fim é inevitável, porém não podemos deixar de nos rejubilar com o que vivemos e aprendemos ano após ano. Beijos e abraços para você que estiver lendo essas bobagens. E algumas batidas do meu coração.

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