A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini

novembro 30, 2005

Desabafo de Um Vegetariano

Filed under: Animais,Ecologia,Uncategorized — Augusto Jeronimo Martini @ 17:27
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“Esse texto foi baseado num artigo de Alessandra Nahra Leal.”

Escrevi esse texto por um motivo especial: recebi em minha caixa de e-mail um arquivo em Power Point com imagens de um homem, supostamente em Taiwan, comendo uma criança (comer no sentido de degustar a carne).

Idiota que sou, acabei vendo as fotos até o final. Sou vegetariano. Me dá asco ver animais mortos… imaginem vendo aquilo. Tive que correr ao banheiro logo em seguida… e o pior de tudo: a cada vez que aquelas imagens vinham à tona, o estômago revirava novamente.

Tornei-me vegetariano por razões éticas e espirituais. Foi a partir do momento em que comecei a receber minhas lições de meditação e Yoga com o Dada Diipajinananda, monge do Anandamarga. Nunca fui de gostar de carne. Comia obrigado desde criança, e minha opção era o semivegetarianismo (esporadicamente alimenta-me de peito de frango e algum tipo de peixe). Mesmo assim meu consumo era em pequena quantidade. Hoje não consumo qualquer tipo de carne e não sinto falta alguma. Meu metabolismo melhorou, acabaram-se as aftas que constantemente povoavam minha boca e sinto-me mais “inteiro” para meditar. Assim fico mais próximo da energia a que chamamos de Deus.

Existem outros bons motivos que levam as pessoas a tornarem-se vegetarianos, como a ligação do consumo de carne com a destruição do planeta, a fome e outros motivos igualmente fortes. Esses motivos, aliados aos espirituais, fortaleceram a minha convicção de largar definitivamente de ser carnívoro. Não foi difícil: fiz isso de uma hora para outra e não tive muito trabalho.

As vezes quando estou almoçando, ouço gracejos dos preconceituosos que querem saber os motivos de eu ser vegetariano. São inúmeros. Tantos, que seria impossível listar todos à mesa do almoço. Volta e meia, porém, algum não-vegetariano atira sobre o meu prato perguntas com tom de desafio. É para esses que agora resolvi explicar, de uma vez por todas, por que não como animais. 

 Eu não sou do tipo que gosta de pregar. Não tento converter ninguém ao vegetarianismo, não aponto para o prato dos outros dizendo “credo, você está comendo um cadáver”. Mas os outros, não sei porque, sempre têm algo a dizer sobre minha opção alimentar. Para a maioria das pessoas, vegetarianos são meio ETs. Parece que têm dificuldade em entender que não comer carne é apenas mais uma opção que se faz na vida.

Muita gente pensa em vegetarianismo como uma religião. E das mais restritivas – afinal, não comer nem um peixinho? Dizem que vou ficar anêmico, e elencam um rosário de outras doenças que poderei vir a desenvolver.

Depois de muito pensar e tentar entender porque tanta gente não suporta minha opção não carnívora, cheguei à conclusão de que o vegetarianismo, para alguns, é ameaçador. Certas pessoas se sentem atacadas – principalmente as mais inteligentes. Talvez porque, quando confrontadas com as razões de um vegetariano para ser vegetariano, elas são obrigadas a concordar que faz sentido.

Um vegetariano desafia o status quo – já que, desde criança, somos alimentados com carne e ensinados que a falta de bife na mesa é sinal de pobreza e meio caminho para a anemia. E então dê-lhe bife! Comer carne, portanto, é o normal. Quando eu era criança, minha mãe disfarçava a carne moída com porções fartas de batata pra me enganar.

Certos vegetarianos dizem que fizeram tal opção porque resolveram examinar o conceito de normalidade, rever atitudes e posições, e mudar velhos condicionamentos. O vegetarianismo pode ser, nesse sentido, revolucionário. E isso, incomoda muita gente…

Quantas e quantas vezes eu tive que estragar meu almoço explicando para alguém porquê não tem carne no meu prato – quando tudo que eu queria era apenas comer tranqüilamente. E um argumento só não basta: as pessoas não entendem e tentam me converter de volta ao carnivorismo – que eu abandonei já faz alguns anos… Ah, quanta bobagem já tive que ouvir por conta dessa minha posição. Vou enumerar algumas delas:

1) Mas galinha você come, né?
Resposta:
galinha por acaso nasce em árvore? Não como nada que um dia teve uma face, pernas, caminhou por aí e me olhou.

2) Ah, mas vegetais são vivos também… (observação: eu sempre achei esse argumento dos mais ridículos!)
Resposta: Claro que vegetal tem vida, mas vegetal não entra em decomposição assim que é colhido – como a carne que entra em decomposição assim que o animal morre, e vai terminar de se decompor e ficar putrefata dentro da barriga de gente… Se não for arrancado da árvore ou do solo, o vegetal vai cumprir sua vidinha ali e se transformar, como a fruta, que fica madura e cai da árvore, voltando para o solo. Não vai sangrar, berrando, até que a morte piedosa o tire do sofrimento. Há uma diferença enorme entre colher uma maçã e cortar a garganta de uma vaca. Já viram como as vacas são abatidas? Procure saber. Quando se colhe a maçã, a árvore não morre. Se você corta um galho, outro cresce no lugar, e isso certamente não pode ser dito das patas dos animais. Os vegetais não têm sistema nervoso central como os animais, tampouco nervos ou cérebro. Eles não têm olhos que demonstram sofrimento. Não existem razões para acreditar que plantas sentem a dor que um boi sente ao ser abatido. Ou durante a sofrida existência no criadouro. Isso nos traz a outra questão que estou cansado de ouvir:

3) Ah, mas o homem é carnívoro desde os tempos das cavernas…
Resposta: é, então faça como ele e vá caçar seu alimento! Já dizia Isaac Singer, prêmio Nobel de literatura em 1978: “As pessoas dizem que o homem sempre comeu carne, como se fosse uma justificativa para continuar fazendo isso. De acordo com essa lógica, nós não deveríamos tentar prevenir pessoas de assassinarem umas às outras, já que isso também tem sido feito desde o início dos tempos?”  Hoje em dia não precisamos caçar, porque criamos animais para o abate – e o sistema das fábricas de carne afasta a consciência do processo. Porque quando as pessoas vêem a picanha nas prateleiras do supermercado, ou quando ela chega sangrando no espeto em um rodízio de churrascaria,  essa “comida” é completamente desconectada da sua origem. Poderia bem ser um pedaço de plástico fabricado pelo homem, porque é difícil fazer a conexão entre aquela coisa embalada para consumo e uma vaca, viva, um ser que sente.

4) Mas esses animais são feitos para isso, eles não existiriam se não fosse para alimentar os homens…
Resposta:
esse deveria ser um argumento a favor do vegetarianismo, e não contra. Animais de abate são vistos hoje em dia como os negros eram vistos no passado: uma raça cuja única razão de existir é o serviço. E assim o absurdo da escravidão se perpetua com os animais. Porque deveríamos limitar as considerações morais e éticas apenas à raça humana? As fábricas de carne e ovos são casas de tortura. Por exemplo: “Animais sofrem extrema dor e privação nas fazendas-fábrica. Galinhas têm seus bicos cortados com lâmina quente, porcos têm seus rabos cortados e seus dentes removidos com alicate, e bois e porcos são castrados sem anestesia. Os animais vivem em espaços ínfimos e são injetados com hormônios e antibióticos para fazê-los crescer tão rápido que seus corações e órgãos freqüentemente não agüentam, tornando-os aleijados e causando ataques do coração. Finalmente, no abatedouro, eles são pendurados de cabeça para baixo e sangram até a morte, freqüentemente enquanto ainda conscientes”. (People for the Ethical Treatment of Animals). Não é uma imagem bonita, né? Na sociedade atual, a ética quase não está entre as prioridades. Mesmo quando existe, esse tipo de consideração não inclui os animais, principalmente os criados para comida. Eles estão sujeitos a situações de extrema crueldade que seriam inaceitáveis se ocorridas com pessoas ou até mesmo com bichos de estimação. De alguma maneira, criou-se um mecanismo pelo qual os “animais-comida” puderam ser confortavelmente colocados fora do direito ao tratamento digno. Como se fossem mais “coisas” do que seres vivos.
 
5) Ah, mas as pessoas precisam comer carne…
Resposta: precisam nada. As pessoas estão é acostumadas a comer carne, e mudar nossos hábitos é a coisa mais difícil do mundo. Então passamos a achar argumentos para legitimar o que fazemos. Já dizia um professor meu da faculdade: “certas pessoas querem mudar o mundo, mas não querem mudar uma vírgula nas suas vidas” . No entanto, não se muda o mundo se não mudamos a nós mesmos… Sem querer enveredar pela questão filosófica, já foi provado que uma alimentação exclusivamente de fontes vegetais não deixa nada a perder para uma alimentação carnívora. Essa conversa de que precisamos de proteína, e que proteína só se encontra na carne, é bobagem. Claro que precisamos de proteína, mas feijão, soja, grão de bico, aveia e inúmeros outros vegetais têm proteína. Cem gramas de amêndoas, por exemplo, têm o dobro do cálcio contido em cem gramas de leite, e cem gramas de brócolis têm quase a mesma quantidade de cálcio que cem gramas de coalhada. E você pode ser vegetariano, não ao extremo. Pode ser um ovolactovegetariano (beber leite, comer seus derivados, além de ovos).

Segundo o Dada Diipajinananda, a maioria dos americanos come sete vezes mais proteína do que o necessário. E, ao contrário do que se acredita, o excesso de proteína pode causar osteoporose. Pesquisas demonstram que quanto maior o consumo de proteína, mais cálcio é “roubado” dos ossos. Um estudo feito pela Universidade de Michigan demonstrou que, aos 65 anos de idade, homens vegetarianos tinham uma perda óssea média de 3%; homens carnívoros, 18%. Entre as mulheres, as vegetarianas apresentavam 7% de perda óssea média, e as carnívoras, 35%. Já está provado que vegetarianos têm um sistema imunológico mais forte que carnívoros, e que carnívoros têm quase o dobro de chances de morrer do coração e uma probabilidade 60% maior de morrer de câncer. O consumo de carne e derivados do leite tem sido conclusivamente ligado a incidência de diabetes, artrite, osteoporose, obesidade, asma, impotência e artérias entupidas (afinal, não existe colesterol em plantas). E já que estamos falando de problemas de saúde causados, ou amplificados, pela dieta carnívora, vale mencionar os hormônios, aditivos, corantes e antibióticos que se consome junto com a carne.

6) Mas tem gente passando fome, imagina sem carne…
Resposta: esse é um argumento extremamente elitista. Carne é cara, normalmente não acessível a populações de baixa renda. A indústria da carne na verdade rouba alimentos dessas pessoas. Vejamos: o crescimento do consumo de proteína animal em países em desenvolvimento levou a um enorme aumento no consumo de grãos que alimentam o gado que alimenta as camadas mais prósperas da população. Ou seja, menos grãos vão para o povo – porque vão para o gado que apenas os ricos podem consumir.

Atualmente, animais de abate consomem 36% dos grãos produzidos mundialmente, de acordo com estimativas do International Food Policy Research Institute (IFPRI). Enquanto isso, 840 milhões de pessoas passam fome (um número que pode subir, se aumentar a demanda para a carne) – segundo publicou a revista britânica New Scientist na edição de 18 de março de 2000. “A produção de grãos não aumentará rápido o bastante para suprir as necessidades dos animais de abate e da população”, diz Lester Brown, do Worldwatch Institute, em Washington. Nos Estados Unidos, os animais consomem mais de 80% do milho produzido, e mais de 95% de toda a aveia plantada. Um acre de pasto que produz cerca de 75 quilos de carne pode produzir 9.000 quilos de batatas. E isso nos leva a um sério problema que ninguém pergunta sobre, porque ninguém faz a conexão:

7) Comer carne é prejudicial ao meio-ambiente…
Vejamos como: “No mundo inteiro, florestas estão sendo destruídas para sustentar o hábito de comer carne nas nações desenvolvidas. Entre 1960 e 1985, quase 40% de todas as florestas da América Central foram transformadas em pasto para a criação de gado. Para produzir meio quilo de carne, são necessários mais de nove mil litros de água. Menos água é gasta para produzir um ano de comida para um vegetariano puro do que um mês de comida para um carnívoro”. (Dieta para uma nova América, de Jonh Robbins).

Depois de todos esses motivos, fica fácil entender porque eu não como carne: penso que a ética que forma a base da sociedade do futuro deve se estender a todas as espécies e ecossistemas. Eu também acredito, porém, que essa é uma decisão completamente individual. É a melhor opção para mim, pode não ser a melhor para os outros – simplesmente porque não existe algo que seja universalmente melhor. Cada um que ache seu caminho. Por isso eu não tento convencer ninguém.
 
Vou continuar comendo meu tofu, minhas abobrinhas, “capim”, como se referem alguns quanto às saladas de folhas, e tudo muito tranqüilamente.  

Algumas frases interessantes de pessoas famosas:
Nada beneficiará tanto a saúde humana e aumentará as chances de sobrevivência da vida na terra quanto a evolução para uma dieta vegetariana. A ordem de vida vegetariana, por seus efeitos físicos, influenciará o temperamento dos homens de uma tal maneira que melhorara em muito o destino da humanidade.

Albert Einstein

Os animais são meus amigos…e eu não como meus amigos.
George Bernard Shaw (Nobel 1925)

Enquanto o homem continuar a ser destruidor impiedoso dos seres animados dos planos inferiores, não conhecerá a saúde nem a paz. Enquanto os homens massacrarem os animais, eles se matarão uns aos outros. Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor.
Pitágoras

Sinto que o progresso espiritual requer, em uma determinada etapa, que paremos de matar nossos companheiros, os animais, para a satisfação de nossos desejos corpóreos.
Gandhi

A civilização de um povo se avalia pela forma que seus animais são tratados.
Humboldt

Tempo há de  vir em que os seres humanos se contentarão com uma alimentação vegetariana e julgarão a matança de um animal inocente como hoje se julga o assassino de um homem.
Leonardo da Vinci

Números, Números e Números

Há no mundo 1,35 bilhão de bois e vacas. Criamos 930 milhões de porcos, 1,7 bilhão de ovelhas e cabras, 1,4 bilhão de patos, gansos e perus, 170 milhões de búfalos. Some todos eles e temos uma população de animais quase equivalente a humana dedicando sua vida a nos alimentar involuntariamente, é claro. E isso porque ainda não incluimos na conta a população de frangos e galinhas abastecendo a Terra de ovos e carne branca: 14,85 bilhões. Só no Brasil há 172 milhões de cabeças de gado bovino uma para cada cabeça humana. Nosso rebanho bovino só é menor que o da Índia, onde é proibido matar vacas. Na média, um brasileiro come perto de 40 quilos de carne bovina por ano ou seja, uma família de cinco pessoas devora uma vaca em 12 meses. Somos o quarto pais do mundo onde mais se come carne bovina. Um brasileiro médio come também 32 quilos de frango e 11 quilos de porco todo ano.

2 Comentários »

  1. Tens razão, mudar nossos hábitos é a coisa mais difícil do mundo!
    Não sou vegetariana, mas respeito, e já pensei muitas vezes em ser também.
    Só que, fica meio complicado quando você vem de uma família gaúcha, e quando você tem que ir todo final de semana a um churrasco. Eu evito comer carne, prefiro peixe e galinha, mas vai… Tem vezes que não tem pra onde, eu acabo atacando uma picanhazinha ali, outr aqui…
    E falando no email que você recebeu, ainda bem que nunca vi, porque só de imaginar fiquei mal. Achei ótimo seus esclarecimentos e suas críticas, acho que as pessoas precisam aprender a respeitar mais o outro.

    http://www.muitomelhorqueatuaex.wordpress.com/

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    Comentário por mmqate — agosto 24, 2009 @ 17:33 | Responder

  2. […] vegetariano por 12 anos. Escrevi sobre isso aqui no blog e mais que uma […]

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    Pingback por O que é ser um Vegano? | A Simplicidade das Coisas — Augusto Martini — novembro 16, 2014 @ 14:06 | Responder


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